Uma história para ninguém ler - cap.I lol
Taína subiu a calçada a correr, naquele fim de tarde gélido. O próprio ar que respirava parecia congelá-la por dentro. A cada passo conseguia ouvir a escuridão da rua a aproximar-se dela. Até que chegou, finalmente. No meio da rua, um velho quarteirão nos subúrbios da cidade, não muito longe do seu prédio, uma velha casa de dois andares erguia-se. Metade da casa estava selada com tijolos de cimento, mas a outra metade continuava intacta, no seu tom vermelho vivo que com o passar dos anos se tinha transformado num cor-de-rosa morto, triste que alguém tinha pintado à tempos sem memória. a casa ficava abaixo do nível da rua e o quintal da casa estava rodeado de uma rede verde e de plantas completamente secas, e algumas derrubadas no chão. A casa parecia completamente abandonada, e, no entanto, não o estava - e essa era precisamente a razão pela qual Taína estava ali hoje. Deu a volta e abriu o portão verde, novo, reluzente, que se assemelhava a um portão de uma cela, e que parecia estar ali com o intuito de excluir mais um indivíduo da sociedade, de impedir aquele cheiro mórbido que cobria o jardim de se espalhar pelas ruas da cidade. Mas Taína ainda se lembrava dos motivos que tinham levado as autoridades a fechar metade da casa e a instalar aqule portão.
Naquela manhã...aordara finalmente decidida. Tinha passado o nascer do sol a fitar a luz a irradiar o rosto de Espanhol, o seu namorado. Adorava-o com todas as fibras do seu ser, era como se não conseguisse viver sem o simples toque da sua pele. Só com ele se sentia em casa. O seu cabelo, comprido, loiro, caia-lhe sobre a face. A sua expressão era sensível, a sua pele macia... e no entanto era de uma masculinidade rara, e irradiava força. Taína sonhara por muitos anos da sua vida aquela imagem de homem. Tinha-o conhcido na internet, e admitia que nunca o julgara real: alto, cabelos pretos, olhos azuis, audaz, engraçado... e frequentava o ginásio. Quando o vira pela primeira vez ao vivo, ficara chocada com o seu à vontade, e imediatamente atraída pelo seu corpo trabalhado, pelos seus praços, pela sua voz. Mas com o passar do tempo apaixonara-se por todo o seu ser, pelo seu total, aquela sensibilidade, o cuidado que tinha em pentear os cabelos, até ao sonho de ser designer - apesar d nunca ter conseguido passar do ensino secundário. No entanto, nos último vezes, Taína notara que o grupo de amigos do namorado tinha mudado, agora via entrar e sair do seu apartamento homens altos, normalmente extremamente magros e vestidos de negros, que apesar de não serem as suas companhias preferidas, tinham noções filosóficas sobre tudo á sua volta: desde a vida até às grades de cerveja que tragavam todas as noites. Mas havia algo num deles que a agradara: Dante, que segundo todos, era um autêntico mstre em tatuagens. tinha um estabelecimento "ilegal" num velho edifício vermelho a poucas ruas dali.Há alguns anos que Taína se auto-sugeria para fazer uma tatuagem... uma borboleta, um dragão talvez... e nos 7 meses que estava com Espanhol, ele sempre a tinha apoiado e fomentado a ideia. Assim, naquela noite, tinha decidido que o iria fazer.
Tentou ajeitar o cabelo do namorado atrás da orelha para lhe poder ver melhor a face, mas ele, sensível, abriu os olhos rápidamente e, por momentos, fitou-a como se não a conhecesse. De pois sorriu, e ela pode ver a magnitude do seu olhar, os seus grandes olhos azuis escuros, daqueles tons que nunca pensamos ser possível sem umas boas lentes de contacto. Ela correspondeu-lhe o sorriso:
- Desculpa acordar-te... não queria... Ainda é cedo... são só 6. Podes dormir...
Ele não respondeu. Colocou um braço à sua volta e envolveu-a num abraço quente. Depois beijou-a demoradamente, e sorriu.
- Pero que andas tu haziendo desperta?
- Esta a pensar.... Já me decidi. Quero mesmo fazer a tatuagem.
O Espanhol deu uma gargalhada e fitou-a alegre. Já esperava que ela o fizesse um dia destes, andava a matutar no assunto à semanas, e, afinal, nem era grande coisa, uma tatoage. Ele tinha várias. Voltaram a dormir os dois. Quando Taína acordou, às 11, já ele tinha ido para a pizzaria. Deixara um bilhete no frigorífico "Fui trabalhar - Ás 19 venho busca-te para irmos ao Dante. Te quiero." Hum... domingo todo só para ela... Estava de férias, mas o seu part-time no bar estava-lhe a tomar muito tempo. Entrava todos os dias às 20.00, e apesar de estar estipulado sair ás 4h, só chegava a casa ás sete, o que não lhe deixava muito tempo para estar com o namorado que trabalhava todos os dias da semana e cobria todos os horários que conseguisse, de modo a ganhar extras. O quê que ia fazer até às 19? Decidiu pôr-se bonita - afinal, á pelo menos 4 meses que não punha um pé num cabeleireiro. Vestiu-se com as únicas roupas que tinha no guarda fato, umas calças acastanhadas e uma blusa verde-tropa, e telefonou a Suzana, a única amiga que tinha conseguido manter desde criança.
Chegou à praça onde tinham combinado 15 minutos depois da hora. Suzana láestava, no banco do costume, em frente à fonte, passando as mãos pelos seus cabelos crespos compridos.
- 'tava a ver pá! Mas ond'é que tu te enfiaste? 'Baza lá se não quando chegarmos ao shoping já tá lotado!
Naquele dia resolveu fazer algo diferente: até Susana já tinha comentado que não mudava de visual á anos. Pintou o cabelo de vermelho escuro e, de cada lado, acrescentou uma madeixa preta, sugestão de Susana. Quando chegou a casa já passava um pouco das 19, tinham-se perdido nas lojas do shoping, mas felizmente Espanhol ainda não tinha chegado. Telefonou a um take-away e, enquanto a comida nã chegava, aproveitou e vestiu as roupas que tinha comprado. Quando Espanhol chegou, já a mesa estava posta, com velas acesas para incrementar o ambiente. Lembrava-se perfeitamente de como aqua noite parecia perfeita, dos risos, dos beijos, a conversa animada... Ás 2300, muito depois dos planos, Foram e mota até à casa de Dante. A casa era antiga e parecia estar a cair aos bocados, e mesmo por dentro papéis de jornal misturavam-se com latas enferrujadas, e o único objecto que provava aquilo ser uma residência era o beliche de metal branco. Por cima do beliche estava um armário, também banco, como nos hóspitais, com porta smi-aberta. Lá dentro Taína pode ve filas de caixinhas de comprimidos, brancos, vermelhos e alaranjados, empilhados cuidadosamente uns em cima dos outros. por uma porta entre-aberta, vislumbrava o brilho de uma agulha, e alguns vults a movimentarem-se em torno dela. Rápidamente um desses vultos, uma mulher que aparentava uns 40 anos mas com olhos de 15, muito magra e vestida à prostituta veio fechar a porta esboçando apenas um sorriso para Espanhol, que o correspondeu. Teria tempo mais tarde para lhe pedir explicações. Em casa - pensou.
- Então é msmo desta meu? assim é que é! Bem senta aqui a tua dama e passa pra cá o desenho.
- o desenho!
Com o seu dia com Suzana tinha-se esquecido de lhe pedir o desenho que esta tinha feito a seu pedido.
- Oh não... esqueci-me! E agoa? Nã o posso ir buscar a estas hoas... devo ter de voltar amanhã!
mas o espanhol, com aquela expressão já tão comum, de quem previa o futuro, tirou uma folha do bolso. Era um desenho a carvão, de uma gota de água,que por dentro tinha uma espiral e era cruzada por duas asas. Taína reconheceu o desenho de algum lado, e apesar de não gostar especialmente, pensou que o desenho fosse de uma das tatuagens de Espanhol e a ideia agradou-a. O desenho tinha o tamanho do seu punho fechado, e tatoou-o no ombro. Quando ia pagar ouviu um enorme estrondondo e uma porta a cair. Era na sala onde a rapariga vestida de prostituta tinha fechado a porta. dande olhou aflito para espanhol, que puxou Taína com toda a sua força para a rua, e misturaram-se com amultidão que entretanto se tinha junto à volta dos carros da polícia. A polícia prendeu um grupo de pessoas, as da sala escura, e encontrou dante trémulo, de baixo da cama, com os seus comprimidos nas mãos. Tinha tomado uma dose enorme e suava, gritava, batia em qualquer um que se aproximasse. A polícia foi obigada a usar a força. Foi horrível. Dante- que apesar de estranho, tinha um aspecto pacífico, parecia ter ganho a força de dois homens, e scudia os braços dos polícias violentamente. Quando o primeiro polícia pegou na arma, Espanhol, já exaltado, não se conteve e correu para protejer o amigo. Pôs-se á sua frente e apanhou com um tiro no braço. mesmo assim continuou a ajudá-lo, mas Dante rápidamente caíu no chão, inconsciente, e espanhol juntou-se a ele, ferido e fatigado. antes de entrar no carro da polícia, ainda viu Taína correndo para ele, mas quando ela conseguiu passar a barreira policial que entretanto se tinha formado, só conseguiu dizer-lhe "Não me procures. Nunca mais." Tudo se tinha passado em poucos minutos. A polícia ainda a interrogou, mas ela mentiu, disse que ia a casa de uma amiga, que tinha reconhecido o rapaz, mas que nao tinha conseguido faar com ele. Chegou a casa e deitou-se na cama. Ainda sentia a agulha no seu ombro, o beijo de Espanhol. Dormiu por entre lágrimas de dor e incompreensão e nunca mais procuou espanhol.
Agora estava ali, novamente, naquele lugar que lhe traia tantas lembranças, mas por razões totalmente diferentes. Tinham-se passado 5 anos e agora vinha ali em trabalho. Tinha conseguido um emprego num jornal local, e apesar de não corresponder ás suas espectativas, era um bom começo. A ideia era tirar fotografias á última residente da última casa do bairro, visto que á sua volta se estendiam altos edifícios construídos para abrigo da mão-de-obra da cidade, a preços baixos, principalmente emigrantes. Desceu as escadas até à porta, que era apenas uma cortina d missangas de madeira. Como não havia campainha, pensou que a sua única solução seria gritar.
- Está alguém em casa?
mas nada. Aiás, as suas palavras pareciam voltar paa ela, numa espécie de eco soprado, uma brisa fresca e suave que devolvia as suas próprias palavras. Gritou novamente. Nada. Afastou silenciosamente as cortinas e levou um pouco a habituar-se à escuridão da casa. Tudo parecia arrumado, como numa velha e simples casa de campo. A mesa estava posta para uma pessoa, e um rádio dava uma melodia daquelas que não ouvia á anos passar em qualquer estação. Depois da cozinha, estava uma sala, que parecia ser a única divisão iluminada da casa. Viu uma luz movimentar-te pela janela da casa e supôs que houvesse um jardim lá fora. Foi até `porta e abriu-a. Procurou a luz. Uma mulher idosa, que parecia ser da mesma idade (ou mais) que a própria casa, andava de um lado para o outro com um candeeiro a petróleo n mão. Vestia um vestido preto e um casaco de malha cor de vinho. Era bastante baixa e parecia-lhe um pouco corcunda. Taína não sabia como começar a conversa. A temperatura estava muito baixa e não pode evitar um espirro.
A mulher virou-se rápidamente para ela, com uma agilidade fora do normal. Taíra reparou que um dos seus olhos era pálido e morto, e só o outro se mechia.
- Menina... Pois... veio uma menina aqui. Sabias? Veio uma menina...
Taína não percebeu se a mulher estava a falar com ela, porque parecia que fitava um ponto bem atrás de si
- Desculpe... Não quero incomodar mas...
- Era uma menina sim! Não sei o que queria aqui... Veio aqui.... assustou-me sabias?
Um arrepio correu a espinha de Taína. Seria a mulher louca? Não tinha começado exactamente com o pé direito.
- Eu queria entrevistá-la... por causa da demolição a casa, sabe? Se não se importa de dar uma palavrinha...
- Ela veio aqui... Mecheu em tudo! Remecheu-me a casa toda! veio aqui... foi uma confusão! E assustou-me...
- Há foi? Mas que coisa... - Taína tentou acabar com conversa da mulher. Agora só queria despachar-se e sair dai - Mas... posso... fazer umas perguntinhas?
- Ai... Mecheu me em tudo sim... Mas eu guardei tudo no lugar... nas minhas caixinhas... e eu ninguém sabe onde estão as minhas caixinhas... não não...
- Mas o quê que a menina queria?
- Ai isso não pode ser... Ela quer ficar com as minhas caixinhas. Tenho coisas muito valiosas nas minhas caixinhas sabe? E a mãe dela não toma conta da menina! Não a sabe educar!E eu assustei-m tanto...
Taína já não sabia o que dizer. A mulher tremia e andava de um lado para o outro, lentamente, enquanto falava a um ritmo vertiginoso.
-Ai aquela menina... A mãe não a soube educar não não. As minhas caixinhas... estão bem guardadeinhs de baixo da cama sabia? ela não as vai encontrar... Mas o que é que queres... não te consigo ver bem...
a mulher aproximou-se e parecia que demorava uma eternidade. No entanto, Taína sentia uma espécie de força que lhe sugeria que também ela se aproximásse. Mas não deu um passo. Ficou imóvel, nquanto a mulher vinha para ela em passos de bebé.
- Quer uma entrevista , não é? Ó, com certeza... venha cá amor, vamos para dentro...
A mulher sorriu-lhe e Taína sentiu-se melhor. Talvez lhe tivessem assaltado a casa. Ela devia ser bastante velha, era normal que se confundisse e já não raciocinasse muito bem. Mas quando a mulher lhe pegou nas mãos, paa acompanhar para dentro, parou. olhou-a com terror e, sem largar as suas mãos, afastou-se.
- Tu... tu!!AI! que agora é que me vais levar! espírito mau... tu! És tu! larga-me! Larga-me!
A mulher estava cada vez mais pálida agitada, e apesar de gritar para Taína a Largava, era ela quem a agarrava com cada vez mais força, e gritava cada vez mais alto.
- Vai-te! Deixa-me!! - A mulher chorava e pedia por mesericórdia como se Taína a estivesse a trespassar com uma espada.
Taína largou as mãos da mulher com dificuldade e não se conteve. Correu pela casa, e depois subiu a calçada, só parou quando estava, novemente, no seu lar doce lar.
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