E Tu.
Aproximei-me dela. Cheirava a bolachas caseiras numa tarde de domingo... e os seus cabelos claros tinham ainda um aroma suave a camomila. Mas a sua tez já não era fresca e luminosa - pálida e seca, como se a vida e a luz tivessem sido sugadas pelo céu. O seu corpo frágil tinha sido recolocado nas escadas da biblioteca, e as suas pequenas mãos pendiam no degrau da escada, abandonados à vontade própria do vento, como algodão.
E Tu.
Simplesmente olhavas na tua passividade, paciência, ataraxia infinita... o Teu olhar nem via, poisava sobre o seu cadáver gélido. De certa forma, também ela simulava uma calma, uma paz invejavel... se olhasse tempo suficiente para a sua face plena em branco, conseguia imaginar um esboço de um sorriso de prazer. Ou talvez fosse simplesmente uma visão consequência da minha vontade extasiante que ela estivesse viva de alguma forma, de alguma maneira feliz. Entendes? Como se aceita a morte do primeiro amor, quando ainda não se tem a certeza que se não ama? Mas Tu permanecias quieto, quase invisível da tua janela sem cortinas. Já não eras nada daquilo que eu conhecia... tantos sorrisos, tantos beijos, tantas juras! Para quê? O nosso amor morria ali no mármore, mais branco que a pedra. E os nossos corpos fervendo numa explosão de cores, numa fricção de paraíso, no ideal do toque da pele ritmada, assim foram reduzidos a matéria pesada, moribunda no mundo enquanto não a matasses de indiferença. E os gritos de prazer calados naqueles suaves lábios, rosas de amor? Nem os ouvias mais. Só eu... como louca, ainda respirava o perfume da nossa paixão. Tocava cada centímetro do seu corpo, examinando, analizando buscando por um arrepio de vida. Mas ela não se mexia, não se mexia! Não acordava! Por favor, por favor, ajuda!
Nao Te moveste. Nem sei se viraste as costas. Não quis olhar para Ti. Só depois... quando já Te tinha encerrado junto dela, so aí Te mirei como verdadeiramente eras. Olho com os olhos e vejo, mas vejo com o coração. E por mais desprezo que o meu olhar sentisse por Ti eu sentia as plumas de anjo da nossa paixão a acariciar-me e amava-te pacificamente, no silêncio do cemitério. Ela estava morta e nós de pé para continuarmos a viver. No entanto, a primeira paixão nunca morre. Só dorme no gelo, num esboço de renascimento. Sim. E também Tu.
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