Por favor, volta
Não estás aqui. E nunca estiveste. No entanto bebeste até a última gota o meu orgulho, e arrasto-me em palavras loucas aos teus pés, tua alma, meu ser. Agarro-me a ti como à última lembrança de paixão que o meu corpo seco tem, e sinto a tua pele na minha, e os teus lábios nos meus como se fosse hoje... como se fosse hoje o dia em que te beijei. Uma tarde longa, quente, húmida, que nos acolhia no seu seio como uma mãe carinhosa... Uma paixão desmedida num só toque, suspiros cruzando-se como ondas roucas, mortas e ressuscitadas num ritmo doente, unindo o silêncio ao reboliço das nossas almas. E no fim, já não nos tocávamos. Boiávamos simplesmente numa lagoa azulada, num perímetro de paz e ilusão, onde as algas, as conchas, as profundezas das águas eram as profundezas de nós. E, ali, à superfície das águas paradas sentia a vida fluir entre mim e ti, à nossa volta. Era feliz, enquanto estavas lá. E queria mais. A minha sede é tão grande... que nem toda a água me sacia.... nem todas as gotas do mundo chegam para me saciar de ti. Queria mais. Quero mais. Dá-me mais um pouco de ti, da tua voz, do teu riso primaveril! Dá-me só mais um pouco... da tua sabedoria, da tua alma, dá-te todo....
O teu não ecoou cavernoso e sombrio. Negro. Coberto de pó e sangue. Não. És livre, e nadas com a corrente. Sou livre e nado com a corrente. Um dia... a ondulação rebentou em não e afastámo-nos com um furacão de dúvidas e palavras mal escolhidas. Não. E finalmente acordei. Despertei com o sol numa casa vazia. O corpo ardia-me da paixão da noite, e no entanto nem uma gota de orvalho. O sol brilha cada vez mais forte, e as sílabas desertas têm um impacto eterno. Apercebi-me subitamente, num gesto cortante. Era tudo um sonho, solúvel nas águas, efémero. Era tudo um sonho meu. Abri os olhos e evaporou. Definhou... e sei agora. Nunca estiveste aqui.
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