segunda-feira, dezembro 26

"Era uma vez uma princesa que era infeliz, e chorava pelos cantos do castelo, de onde não podia sair. Estava triste e era mal-tratada, repudiada pela família, azarada. Morava com a madrasta má e as suas duas horríveis filhas. A madrasta, além das maldades que fazia diariamente, era também bruxa, e odiava a princesa pela sua beleza. Assim, um dia a princesa, com um belo vestido cor-de-rosa cintilante e sapatinhos de cristal nos seus delicados pés, cantava divinamente com os rouxinóis e os empregados (que a adoravam), a madrasta irritou-se, mascarou-se de velha e deu-lhe uma maçã que a fizesse adormecer em forma de cisne até que alguém lhe desse um beijo.
Foi aí que chegou o princípe. Ele era alto, loiro, esbelto, e vinha de um reino muito distante. Apaixonou-se pela princesa assim que ouviu falar dela, e decidiu salvá-la. Lutou contra dragões, bruxas, espinhos. Nem sequer olhou para as suas irmãs. Correu para a princesa no seu cavalo branco, e com um beijo a acordou. Ela apaixonou-se instantaneamente. Aliás, isso nem era preciso, porque ela tinha sonhado com ele toda a sua vida. Nos seus braços foi até um reino muito distante, onde casaram e viveram flizes para sempre - Fim"
Querido Príncipe:
Eu costumava pensar em ti. Não te conhecia, mas sabia que existias. No fundo, via um pouco de princípe encantado em todos os meninos, mas nenhum me dava o beijo; aquele beijo sôfrego e loucamente apaixonado que nos suga as forças e nos transporta às nuvens, quando o corpo estremece e os pelos se eriçam, a pele sensível aquece e a língua estremece num orgasmo silencioso do mais puro prazer. Queria esse beijo, que me raptasse de quem eu era e me fizesse, finalmente, ser feliz. Mas não, nunca aconteceu. Muitos beijos foram dados. Mas nenhum, nem um me fez sequer, levantar os pés da terra.
Até que um dia te vi. O escuro cobria-te a face e o corpo, mas vi-te. Sentia a tua alma ali, através da tua voz, e entravas em mim pelos meus ouvidos, acordando o que mais de profundo havia em mim, revolvendo o meu coração num misto de chamas e algodão-doce. Pensei que não me tinhas visto." Estava escuro, estava muita gente... eu sou tão feia, tão estúpida, mão disse nada de jeito!" Passei a noite a sonhar contigo, não importava se eras real ou não. Sonhei acordada e dormindo com os teus lábios de seda, o teu amor no meu, a tua face doce na palma da minha mão.
Vi-te na manhã seguinte. Eras lindo. As gotas de água escorriam pelo teu corpo de anjo, e a vida brotava dos teus olhos da cor do mar. Numa visão celestial aproximaste-te de mim e cumprimentaste-me. O meu coração suava de emoção sofrida, de medo, de emoção. Balbuciei qualquer coisa e viraste as costas. Não importava, estavaa ali perto, e eu era livre para me iludir com a tua figura visível, smi-real. Depois de uns dias, conhecia-te. Saíamos para passeios a noite, e eu pouco dizia do que pensava, contando-te histórias da minha vida, daquelas que contava as pessoas porque sabia que eram minimamente interessantes, e só assim podia esconder a minha vergonha em não ter nada para dizer face ao teu espírito incrível... face ao teu corpo de herói. Um dia disseste-me que me querias. Tive vontade de perguntar porquê, mas mantive-me silenciosa. Disse-te que não pois não merecia. Era um sonho. Preferia uma ilusão no verdadeiro sentido da palavra, do que uma ilusão vivida no físico. Nunca poderia.
Ele insistiu, e e disse-lhe que não. Cada vez que a sua respiração se aproximava da minha o meu ar cortava-se e eu beijava toda a sua áurea, a forma evaporada da sua silhueta. Até que um dia não resisti e beijei-o. Mas não senti nada. Não me importei, até porque não importava. Era só um mero acaso no meio do mato, aconteceu. Mas quando ele, de baixo do cobertor, me beijou, o mundo caíu a meus pés e afastou-se de mim, eu estava boiando no paraíso segurada no seu abraço forte, quente pelo seu corpo, acariciada pela sua língua doce e húmida. Algum tempo depois os nossos corpos dançavam uma melodia rápida e vibrante, cada tom era uma nota, cada nota um sonho. Beijou-me de novo, e de novo, e de novo, até que já no existia mundo, já não existia eu, ele, nada, tudo, só aquele sentimento de estar a ser transportada para um lugar onde tudo era belo, lindo e feliz. E fomos felizes para sempre.
Ou seríamos, se não estivessemos a falar de uma história real. Mas com o tempo, a distância entre os corpos, a falta de palavras, tudo mudou. lentamente tornamo-nos estranhos, as palavras eram escassas. Descobri-lhe faltas, defeitos, características insupurtáveis. Quis trair-me. Eu quis trai-lo. Resolvemos que de nada valia fingirmos. Acabou tudo.
Ou não. Dias depois conheci outro príncipe encantado. E o mundo girou comigo na minha felicidade. Fui salva, e perdi-me. Fui salva, e perdi-me. Tantas vezes que um dia me apercebi que realmente não precisava de um princípe encantado. Chocada coma minha prematura descoberta pensei e repensei a minha vida. Olhei para ela e descobri uma princesa. E fui salva. E perdi-me. E fui salva. E perdi-me. E fui salva. E perdi-me. Encontrei mais princípes encantados, diferentes, únicos, extraordinários, que me levaram ao céu e a terra e ao inferno e ao paraíso. Fui feliz e infeliz tantas vezes... o algodão doce fez-se e desfez-se perante o meu olhar estupefacto e pranto amargo.
Até que repensei o meu coração, e percebi que só eu me podia salvar a mim. Não, eu não ia salvar ninguém dos males da sociedade, não ia encontrar ninguém perfeitamente perfeito, nunca me ia sentir perfeita. Os beijos, sou eu que os dou, e se eu pensar bem, todos me dão um pedaço de céu. Os abraços, confortam-me, mas não me protegem do mundo.
Como queria pensar assim. Mas não posso. Agora quero conquistar-me a mim, quero beijar-me a mim e preencher a minha alma de algo que vislumbro mas não tenho.
Mas não posso, ou não consigo. A minha vontade não me obedece. E há dias em que acordo à espera de me cruzar com o definitivo princípe (ou princesa) encantado(a), não um(a) com quem casar, não me interpretem mal, mas um(a) que me salve de mim mesma, que me cale as dúvidas ou que duvide comigo para que não me sinta tão só, infeliz e odiada pelo mundo, que me leve para longe de tudo, num reino onde nos amaremos todos os dias, com algumas lutas e disputas à mustura, mas felizes. Sim, eu, como (quase) todas as mulheres, sofro do estúpido complexo da cinderela.
Ás vezes acho que poderia voltar atrás e concertar tudo, ficaríamos felizes? juntos? Agora que já sei porque é que falhamos, poderia concertar o erro? Não... os erros são importantes... tenho orgulho neles. Lembro-me de ti, princípe, e penso que poderia ter resultado. E penso, sim penso, que te amei assim porque és realmente lindo, extraordinário, fantástico, e fico feliz por ter visto em ti o encantado que tens na tua alma. Eras a minha alma gémea naquele momento, e adoro-te por isso. No meu coração estás sempre lá, mesmo que me falte o teu nome. Hás de lutar por muitas princesas, e encontrar uma talvez que lute por ti igualmente.. E quem sabe eu... ou não.. eu penso demais, e o amor escapa-me pelos dedos. Não existe um princípe encantado (para mim ao menos). Mas existem vários. Não existe uma princesa. Existem muitas.
E do fundo da minha sombra salta uma voz que diz baixinho: princesa, não queiras ser salva. Salva-te primeiro. E não queiras ser feliz para sempre... o eterno é comprido de mais... o infinito aborrecido demais...
E eu só quero saber existir.

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