quinta-feira, fevereiro 9

Daquela vez, contigo

"Dezembro de 2003
Vi-te pela primeira vez quando entrei no parque. Bem... talvez não te tenha visto, mas estupidamente pensei que sentia a tua presença. E eu, que estava profundamente revoltada com o destino das minhas férias (que não era o meu lugar de eleição) sorri por dentro. Mas não disse nada. Quando acabei de montar as tendas e jantei, a noite já caía, mas ainda não te tinha visto. Começava a ficar preocupada... talvez a sensação fosse só isso, e me tivesse enganado, confundida pelas palavras de encorajamento de toda a gente. Não me ia deitar a baixo, no entanto, e por isso decidi-me: vamos ver estrelas (passatempo meu de longa data e compridas e frescas noites de verão). Arrastei a minha prima até ao campo e sentei-me a ver estrelas e a partilhar uma conversa daquelas que só nós as duas conseguiríamos manter por mais de 10 minutos. Então vi-te. Nem vi a tua cara, mas ouvi a tua voz. Nem vi os teus olhos mas senti o teu riso... e fiz figas (teria rezado, se soubesse) para que me visses. Quem me viu, no entanto, foi a Maggie, a cadela, que correu para o meu colo como louca que era. Atrás veio a Cátia, a quem me apresentei. Ela chamou-vos e... tu vieste. Nem sei quem estava contigo. Não olhei para ti sem ser pelo canto do olho, porque tive um medo sincero que um olhar mais demorado denunciasse a minha jovem obcessão pela tua figura.
Nas noites seguintes, vi-te. Via-te à noite, só a noite, porque o medo que me visses descoberta pela espessa camada de escuridão, e me achasses horresa, estranha, era maior que a vontade que tinha de ver os teus olhos brilharem ao sol. De dia esquivava-me quando te via passar de bicicleta, empoleirada no meu baloiço. Quando falavas, era como um mundo a abrir as portas para mim. Queria conhecer-te mais, e mais, e melhor, saber tudo o que pudesse, ter tudo o que pudesse de ti, mesmo que fossem só migalhas.
Foi quando vi. Vi a minha prima olhar para ti com aqueles olhos esverdeados, ouvir também as tuas palavras. Ela sempre foi bem mais inteligente que eu, de longe mais interessante (o que se nota na primeira palavra que ela profere). Eu apenas balbuciava, ela lutava e organizava argumentos, teorias. Deixei-me ficar. Não queria, não devia, e nem podia ir contra ela. Desisti de ti.
Foi quando descobri que gostava de ti. Porque eras a única coisa na minha cabeça desde que acordava até... acordar. Comia contigo, mergulhava contigo, baloiçava contigo, caminhava contigo, adormecia contigo... e sonhava contigo até à manhã nos chamar (como todas as pessoas apaixonadas que passam em média 95% do tempo a pensar na TAL pessoa). Pensei que estava a viver numa ilusão e procurei ignorar-te: tanto no real como no imaginário. Mas tu voltavas sempre, e os meus pés levavam-me para a tua rua, e a minha cabeça para ti.
Um dia convidaste-me para passear. O meu coração disse-me qualquer coisa que estava demasiado nervosa para escutar. Não queria. Então falei, falei, falei, falei - mais uma vez, tinha medo: de trair a minha prima, os meus sonhos, a minha realidade, a minha promessa, o meu coração, tua bouca... nas noites seguintes os teus lábios, os teus braços, o teu corpo, as tuas palavras revoltaram a minha imaginação, e a minha respiração. Tremia de amor, literalmente. O desejo era já tanto que me julgava louca. Desejava tudo. Mas não podia. E no espelho da casa de banho a minha prima dizia "Não devias ter nada com ele. Ele é tão... não faz nada o teu estilo. É isto, aquilo" "Mas gostas dele?" "Nããão". Eu sabia que sim.
Andei de mãos dadas com outro, pensando em ti. Não conseguia beijá-lo, apesar das suas súplicas. Já não aguentava mais. Estava, em todos os níveis possíveis, louca. Queria ver-te em todas as esquinas, de baixo de água, na prancha, na toalha. Queria falar contigo, acariciar a tua face de anjo e beijar-te as mãos, desfazer os pequenos cachos do teu cabelo com os meus dedos. E alguém me disse "Como ele, não vais encontrar nunca... pensa bem... este verão não se vai repetir nunca!" E tinha razão. Tinha, como podia não ter?! Não me importei mais. Nessa noite, ao espelho, disse "Desculpa, mas não consigo aguentar mais". E entreguei-me: não sei se a ti, se a mim, se ao sentimento absurdo que já me consumia por dentro e por fora. Entreguei-me a ti, e quando me fui embora regressei, não me conseguia manter afastada, cria-te em mim, comigo... Não devia, não queria, nem podia ir contra isso.
A paixão, pouco a pouco, foi murchando, e o medo que me visses à luz do dia voltou, com as camadas de distância que se impuseram. Medo que não fosse mais do que uma paixão de verão (que era) medo de sentir de mais (que sentia) medo, medo, medo. Não queria que me visses assim, imperfeita. Não queria que me visses assim, entregue, impotente, quase dependente de ti. Eu mesma pus a paixão ao sol para que ela secasse. Por vezes, a noite, escutava dentro da minha cabeça a melodia do teu ser e quase que a desenterrava. E pensava: um dia, quando for perfeita, talvez a desenterre. Esse dia nunca chegou. E muitos passaram. Brotaram novos botões, brotou um novo eu, em parte das cinzas da minha paixão por ti. E fiquei enraizada, involuntariamente, à sensação de te ter conhecido."
E passei dias, e dias, e tardes e noites a escrever coisas lindas acerca de ti.

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