terça-feira, fevereiro 14

Não, pai, não te cales

Não pai, tu não estás sozinho. Não mais sozinho, pelo menos, do que toda a gente do mundo. Não pai, tu não dás só sem receber; mas tu não vês o que recebes, porque talvez não seja tão altruísta e pensado como o que tu ofereces. Não pai, tu não és feliz. Mas olha, eu também não. E a mãe também não. E o avô também não. E a razão não é nenhuma, é ela em si, é porque a felicidade como estado permanente, não existe. Não pai, não me afecta ter um irmão homossexual, um avô como ele é, uma mãe fechada em si mesma e um pai em crise. Não me afecta ser louca e que todos à minha volta sejam loucos. Não me afecta que te queiras divorciar se for para o teu bem. Não me afecta que que as tuas relações não sejam agora o que eram na tua juventude. Não estranho que te queiras suicidar, também eu; também todas as pessoas que pensam um bocadinho mais que o normal sobre os seus problemas e a sua existência. Não, a vida não é perfeita e feliz, muito menos se guardares tudo para ti e não fizeres nada em relação a ela. Ninguém é feliz numa rotina trabalho-casa, só com conversas sobre como o bin laden devia matar os USA, como os USA deviam extinguir-se, o mundo devia acabar, os homens deviam morrer, como a sopa tem sal a mais e as batatas sal a menos. Nem sei como não te divorciaste e te mataste até agora.
Desculpa dizer-te isto, mas o teu casamento não está de boa saúde. Não sei se já esteve, porque não o acompanho com muita atenção desde o início. Não foi vacinado contra a rotina, contra horas certas, contra a falta de assunto. Não exercitaram o amor, não tomaram largas doses de compreensão, e muito menos de convívio. Não há vida que vos fortaleça os ossos. Só rotina, discussões, tentativa de esticar os músculos até não dar mais, tentativas de esforço em demasia sem um background saudável só pode levar à fadiga, às dores, mal-estar e por fim, a um ataque de coração fulminante.
Desculpa informar-te mas foste um bom pai para mim, fora aguns ataques de raiva que me mantiveram, por muito tempo, num estado de zombie com medo dos teus passos. Não sei cozinhar porque sempre quis provar a mim mesma que não precisava disso para ser uma pessoa completa. Não preciso de convenções estúpidas que as meninas devem vestir saias, cozinhar e costurar. Não sei costurar porque não tenho paciência nem vontade. Talvez quando começar a ver a mãe a envelhecer demais, queira aprender para levar algo dela comigo. Gosto de ser desarrumada e desorganizada porque é assim que sou por dentro - e não posso mostrar algo ao exterior que não seja eu (ou o eu possível a exibicionismos), isso ainda complicaria mais as coisas. Foste um bom pai porque sei que as qualidades que são minhas são tuas, porque me preocupo com os outros, porque filosofo, porque tenho bom ouvido e gosto de música, porque vejo a beleza de um pássaro na árvore e peço desculpas às formigas quando as mato. Eu sei que não é muita coisa fantástica, mas quando olho para mim ao espelho, orgulho-me porque sei que há algo de bom em mim e isso é mais importante do que qualquer outra coisa!
Não quero que o meu irmão seja como os outros rapazes, anormal, estúpido, insensível, e preconceituoso. Sim eu nunca me dei com muita gente e há quem me ache louca e não muito normal, mas há muita gente não-preconceituosa e preconceituosa compreensiva que fala comigo, e adoro-os, e são muito mais especiais do que qualquer rapaz simplesmente normais. E não, não me importo que ele seja homossexual. Se há muitos comportamentos que não gostas nele, podes crer que não é a partir de eu dizer que fui com um gay aqui ou ali que eles nascem, eles nascem nele pk ele é assim. Já sei que se ele for vão me culpar a mim, tudo pk quando tinha 7 anos perguntou o que eram homosexuais e eu não deixei ficar pela resposta da mamã "São Loucos". Se for óptimo. Se não for óptimo também. Continua a ser o meu irmão e a vida dele não é mais fácil ou mais difícil por isso, principalmente se as pessoas compreenderem. Adoro-te muito pai, e sim, fazia tudo por ti. Mas não posso deixar-me afundar no mesmo poço que tu, porque tenho os meus poços para me afogar. Mas apoio-te no que quer que faças ou sejas, como apoio o meu irmão, e a mãe (quando ela me conta o que se passa, claro). Chora se precisares, afasta-te se precisares, mas lembra-te que não, não estás sozinho.
Não, pai, não sou infeliz por tua causa.
Não, pai, não dás sem receber.
Não, pai, não há mal em chorar.

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