Carta fechada para o mundo
Olá amigo,
Como vais? Bem como sempre, imagino. Mesmo quando choras, estás bem - e nunca é um bem estar de fragrância, é um bem estar intrinseco a ti próprio não é? És assim. Se calhar é por isso que te admiro tanto... tens uma paz que te ilumina os olhos e a tez da cara, e os cabelos, e o andar: e, ás vezes, até o movimento das túnicas de primavera. É por isso que te chamava anjo. Quando te vejo, tens como que uma áurea brilhante, como se fosses o céu daquelas tardes quentes de primavera, de um azul brilhante mas pacífico (nada a ver com tons religiosos, só tons... pessoais de espírito). E queria saber porquê. Porquê?? Nem sabias responder. E pensei. Procurei. Busquei. Acreditei. Mas não. Em mim, nunca houve tons mais brilhantes que o loiro oxidado na tinta do cabelo. Chorei, e fizeste-me sorrir. Sorri e dancei com os pés na água. Mas na verdade, no dia seguinte voltei a chorar. E fizeste-me rir, como sabes. E ri. E chorei. E ri. Na verdade, de cada vez acumulava mais dores pálidas no coração (ou na falta dele) nos olhos. E vejo os outros sorrir. Vejo as suas mãos dadas nos bancos do jardim, os olhares trocados subtilmente na sala de aula, o sorriso cúmplice dos amigos, os ventres contraindo-se na gargalhada: os cabelos sacudidos no descer das escada, vejo-vos a vocês! vejo-vos sim! com objectivos, dias ocupados, amores e conflitos indispensáveis: e lutas, e batalhas destinadas a vencer: emoções nas vossas vidas. Vejo-vos a vocês, todas as outras pessoas, tão lindas, tão completas, tão complexas, tão apaixonadas por qualquer coisa que só consigo... só consigo invejar. Porque nunca consigo ser pessoa. E sinto-me pequenina, solitária, vazia, transparente. Feia, esquisita, nada.
Pois é amigo, por mais voltas que dês ao assunto. Por mais vezes que me tentes rir. Ás vezes, só queria que tentasses comigo esquadrinhar as minhas dúvidas para que pudesse descobrir nelas um erro, uma incompatibilidade comigo mesma, encontrando uma razão para existir. Porque não há. Eu preferia que houvesse. Eu preferia ser qualquer outra pessoa que já se cruzou comigo - e não é um querer leve. É um sonho que me atormenta a noite e me faz não querer dormir. Queria fazer tanta coisa... nunca faço nada. Não faço, porque não vale a pena. Eu não valho a pena!
Queria ser tão linda como me vês. Tão íntegra como me vêm. Tão louca como me pensam. Tão aplicada como pensava. Tão eu. E rio de novo. E quero desaparecer. É que nem sequer quero morrer. Quero só ir, e escapar das memórias de toda a gente, e deixar de existir. Mas provavelmente, fica para a próxima vez.
Gosto muito de ti
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