Saudades
A linha do comboio deitava-se pelo horizonte e cortava a terra do céu. Nos seus lados brotavam fábricas abandonadas (algo desfeitas e cinzentas, com manchas divididas entre os dias húmidos e gatafunhos mais gastos), mas dessas só se examinavam poucas fachadas, iluminadas pelos eclipses amarelos dos candeeiros. Á medida que a paisagem crescia do canto inferior da janela, também o sol se impunha e coloria a beira da linha. Agora as casas eram poucas e ainda negras, erguiam-se troncos adormecidos com as folhas caídas; tudo despertava àquela luz azul-cobalto, numa melancolia febril. Dentro do comboio o calor estava à flor da pele, nas palmas das mãos, nas rugas da testa e no gole a seco. Já tinham passado algumas horas de viagem mas não as sabia contar, nem tinha olhado para o relógio quando o ímpeto de angústia o empurrou para a bilheteira e o arrastou moribundo pela estação até ao banco isolado da segunda classe.
Há anos que não viajava no comboio – a última vez tinha sido em criança, guiado pela mão rugosa do pai. Agora, olhava para as suas próprias mãos tingidas de negro e reconhecia as mesmas rugosidades. Como é que tinha chegado ali? Como é que o tempo tinha passado tão depressa por ele que se tinha transformado num dos espectadores da passagem das carruagens?
1 comentário:
Às vezes temos de ser espectadores... temos de ficar a ver os comboios a passar, até chegar o comboio certo para nos levar ao nosso destino. Só espero k ele tenha apanhado o comboio da sua vida e k a paragem de chegada seja melhor k a de partida :)
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