Voltaram para onde nunca tinham estado
De repente, tiveram de fugir. Já o sabiam à algum tempo, já o sabiam à muito tempo: como algo inato à sua consciência. Mas é sempre repentinamente que temos de abandonar tudo por nada. Quando a guerra começou, os canhões estalaram no céu e todos os ovos se abriram (quereriam fugir à morte certa?) Esconderam-se na cave. Fecharam a porta sempre aberta.
De manhã, escolheram as roupas para por nas minúsculas e inutilizáveis malas. Tinham minutos para fugir. Enfiaram as roupas preferidas nas malas, uma manga na mala, uma boneca na mala. Pequenas memórias a quem se agarra quem tudo perde. Não havia tempo para chorar. Arrancaram e viram ao fundo do horizonte a vida a perder a proximidade. A cadela perseguiu-os durante algum tempo. A mangueira dançava na brisa com as mangas verdes penduradas, desconhecendo que nunca mais as meninas iriam subi-la descalças e roer-lhe os caroços.
Não havia água. Não havia leite. Havia pó.
Ou fugiam, ou eram mortos. Era a escolha. Ou fugiam ou violavam as filhas. Ou fugiam ou cortavam os seios das mulheres grávidas para não poderem amamentar os filhos.
Não podiam parar. Carcaças dormiam nas beiras das estradas. Cadáveres dos filhos no banco de trás. Mas tinham de continuar.
Podiam trazer 5 contos por pessoa.
Não tinham mais nada.
Uma mala.
Roubaram as fotos do filho morto.
Roubaram o dinheiro.
Chegaram e não tinham nada.
Os familiares não os conheciam. Eram estranhos. Imigrantes.
Vinham roubar o trabalho dos brancos.
Vinham roubar o trabalho dos portugueses.
Eram retornados. Abaixo de cão.
E a sua casa não era em lado nenhum. Nunca mais foram livres. De dia ainda sonham com os mergulhos no rio, com as árvores, a roça, a escola velha, o chão de terra-batida. Ainda sonham com os amigos mortos, as amigas violadas, a filha baleada sem um cemitério. O animal de estimação de tantos anos abandonado à porta do aeroporto. As vozes. Não havia pátria para eles.
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