quinta-feira, julho 20

eu PUNHA as mãos no fogo por nós

Eu já tinha ouvido falar, em tempos remotos, do esquecimento.
Do abandono em paisagens ópticas, mentais; da solidão.
E até já tinha tido para mim uma boa dose sustentável, humana e natural.

Mas de certa forma, excluí estes atributos, tão naturais e evolutivos, de ti. Pois tu, para lá do amor, estavas num cantinho sagrado da minha existência, naquele ao lado dos desenhos animados da infância e das fugas das aulas de filosofia. Mas infelizmente, tu e eu somos humanos.
E não, o difícil não foi ultrapassarmos o amor quebrado, nem as indecisões repetitivas, nem as lágrimas excessivas ou o zelo em demasiado. O que nos isolou não foi a força dos pensamentos suícidas, existencialistas, do-contra; não foram os segredos, os enganos, os desencontros, a distância. Não foi sequer o silêncio. O que destruiu e destrói, evadindo a argamassa dos nossos dedos enlaçados fomos nós mesmos, e o mesmo tempo que o tempo tinha quando estava do nosso lado.

Não consigo simplificar mais. Acabou. E eu sei que acabou, e já sabia se calhar à mais tempo do que aquele que julgo. E mesmo depois desta noite, quando me quiser enganar novamente e disser que está tudo bem connosco; eu sei que não está. Foi uma erva daninha, daquelas que tanto gostavas e que floresciam nos meus cabelos - foi ela que me contou que já não podia contar contigo. Mesmo que dissesses que sim. Mesmo que pensasses que sim. Porque como já disseste, tu dás o que tens para oferecer. E o que é que eu posso dizer, se não que não é o suficiente?

E aí tu dizes, em termos compridos "paciência." E deixas até à próxima vez que eu expluda de lágrimas que se enrolam atrás da língua, que me desenrole em palavras, que grite: deixas que passe, que a tempestade amaine para me levares a ver o por-do-sol na ria calma. E para ti, isso chega, e é natural.

A erva daninha diz-me que para mim, não chega. E depois pergunto-me se exijo demais. Se exijo amor, daqueles certos e ritmados, daqueles dos romances e contos de fadas. Mas não é isso que eu quero... ou talvez o que eu queira, ou este capricho essencial à minha sobrevivência seja só encontrado no retrato adulterado do amor. O que eu quero mesmo é um amigo daqueles que tu foste quando gostavas de mim. Daqueles que todos foram quando eram cegos. Sim, o que eu quero é um cego que tenha ouvidos, mas que fale. Que comunique. Porque tu, que tantas vezes brincaste com a minha timidez de metro e meio, não abres a bouca comigo. E isso também tornou o sabor da nossa amizade um pouco mais amarga. Fez-me invejar-me os altares, os pastores, as ovelhas com quem te via de olhos fechados a dilatares os teus pensamentos. Fez-me invejar as viagens, os companheiros, e os tantos outros que não invejavam como eu. E a raiva cresceu, juntamente com a simpática flor invasora.

"O que é que podias fazer?"

Eu não queria que fizesses nada, e queria no entanto que soubesses o que eu queria que fizesses. Era na realidade simplíssimo. Eu queria que me compreendesses. Mas ficou provado, de lá e para cá, que isso não podia ser. Podias aceitar, que é o máximo que eu podia exigir de qualquer pessoa. Mas tu... não eras qualquer pessoa. Tu eras tu. Agora é que já não.

Porque entre uma e outra viagem, ou uma ou outra dentada numa tosta mista tu transformaste-te num outro que não era aquele que os meus olhos viam. E eu também, imagino. E crescemos, incomunicáveis, não para direcções opostas mas numa multiplicidade de ramos de polos contrarios. Eu não posso fingir que está tudo bem, não quero e não consigo. A erva daninha diz-me ultimamente para eu parar. Já não vale a pena que corrói os grãos do meu desespero. Já não vale as lágrimas. Já não vale as palavras dactilografadas nem os póros rasgados. Já só vale mesmo pelos encontros fortuitos do destino: um aqui e ali, um ali e acolá, como uma amizade intermitente no tempo e no espaço, uma virtude fraca, uma dor de cabeça com sorrisos pelo meio, ou um buraco negro com pequenos oásis. É verdade que esperava mais: de ti, de nós, do mundo, dos segredos. É, esperava muito mais. É quase uma decepção, mas valeu pelo que foi. Pelo que é, já vale muito pouco. E eu, não posso esperar mais por um passado.

O que é um melhor amigo? O teu eu sei que não sou eu. Não sei bem quem é, não o conheço. O meu eras tu. Agora não, porque para ser melhor implicava que algo te elevasse, e já não há nada. O passado não conta. E eu, que defendi tão vitoriosamente a dependência, desprendo-me de ti, desagarro-me. Já vi que esta amizade se torna mais estéril de dia para dia. E o aborto torna-se, contra a minha vontade, uma saída; impondo-se à frente dos meus olhos a cada conversa vaga contigo.

Se ao menos dissesses que estou enganada... mas nem isso.

Porque algures pelo meio extinguiu-se a nossa proximidade.
E o que respou foi um espaço em vaco sem oxigénio, onde só a solidão respira.

Gostei muito de ti e estarás sempre num cantinho acarinhado do meu coração
mas já tenho medo das chamas a queimaram-me a crosta dos dedos.

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