sábado, julho 8

hoy...

Recusou a pele de bebé exigida pela sua profissão. (Mas claro, a maior parte das pessoas nem sabia ao certo o nível da sua especialização, nem os sacrifícios que exigia). E por isso exibia no seu baloiço uma cor de mel queimado, de caramelo - um doce para os homens que assistiam. As pele firme acariciava a pequena saia de renda cor de rosa que dali a pouco se juntava ao resto das suas roupas, no chão da pequena sala de espetáculos. Até dali conseguia sentir o bafo quente e amargo dos que se juntavam a mirá-la, das cadeiras do fumo.
No início da noite, quando subiu para as plataformas negras, de fato branco e pappilon envergado, com as pérolas lisas tão tradicionais, quem a imaginaria, tão distinta, a cortesã. E agora, com o seu corpete negro salientando-lhe as curvas femininas e a lingerie negra a sorrir por entre as rendas brancas, baloiçava lentamente e sorria. Lá em baixo as garçons recolhiam os donativos gentis dos empresários... e mais tarde, quem sabe, se não permitiria a um daqueles homens de letras, os que a elogiavam com palavras perfumadas de rosas e grinaldas e que lhe beijavam a pele no veludo das caixinhas negras.
Uns dias não era assim, outros dias tudo aquilo era ela mesma. Hoy.

Ela tinha claro, aquele receio entre a cortiça dos tacões de salto alto. Uma palavra ou duas que às vezes se prendiam no rímel negro das pestanas, ou borravam ligeiramente o baton vermelho... e nessas alturas, enquanto passava as mãos de manicure francesa nas filosofias clássicas, arranhava as páginas manchadas de conhecimento. Estaria a luz da tez perfeitamente saudável da sua face a ofuscar o brilho da sua inteligência?

E ela sabia que sim - porque se anteviam os olhares deliciados com as suas delícias, com o corpo moreno e baço e as longas madeixas loiras que lhe contornavam os seios dispersavam os interesses, ou despertavam os interesses...

Mas hoje, nada daquilo fazia sentido. Gostava daqueles pequenos rituais diários e noturnos de afeição a si própria, delicados segundos entre almofadas de pó-de-arroz... e à noite, deitava-se sim, de rolos nas madeixas, com um creme esbranquiçado nas maçãs do rosto, a ler os volumes de montesquieu.

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