se ainda sonho
Era uma presença smi-consciente, e por isso gosto de pensar que estava a sonhar.
(Tão simples quanto isso - a sonhar - ou seja, não tenho culpa nenhuma.)
Era uma tarde banal de fins de primavera, e o sol poisava leve nos seus ombros brancos. Mesmo deitada nas rochas, conseguia sentir a brisa fresca a escavar-lhe a pele e a moldar as danças das folhas das árvores, que cantarolavam junto com os pássaros e pintavam o riacho de uma cor de paraíso. A água estalava entre as pequenas rochas e salpicava-lhe os lábios quentes. E ela apenas sentia as suas costas nuas na rocha aquecida pelo sol, e deixava as pontas dos cabelos boiarem nas margens da água.
«ninguém sabia que estava ali»
As gotas deslizavam pelo seu peito até à pedra quente e vermelha, quando o gemer das árvores escondeu o som da mota a estacionar - e por isso ela nem reparou e apenas rolou, cerrando os olhos e expondo as costas nuas ao sol.
«só ele.»
Estavam sentados lado a lado e apesar de as pernas se tocarem ocasionalmente no bambolear do seu corpo, não estenderam as mãos. Apenas falavam de coisas naturais, conversa de sala naquele miradouro para a praia. Nem sabiam que falavam, as mentes vagueavam a uma velocidade louca pelos beijos que dariam, pelas outras palavras sinceras que não disseram. Era luz a mais, um amor secreto de mais para estarem assim expostos ao nascer do sol. Mas já tinham conversado a tarde toda, e a noite toda, e agora o mundo parecia espalmá-los a uma categoria qualquer.
Deslizaram pela toalha e falaram de estrelas. Estava escuro de novo. As ondas rebentavam lá ao fundo, à beira-mar; e a praia deserta protegia os narizes delgados dos amantes que quase se tocavam. Quase. Até que uma estrela cadente se afundou no horizonte e as mãos trémulas da rapariga tiveram de lhe tocar. Foi um toque leve, mas despertou nele a paixão acumulada na última semana, e encontraram-se num beijo desesperado contra o muro áspero, rasgado na noite, roubando o tempo, a cor, a luz.
Para quê lembrar-me de coisas que não aconteceram? Não sei bem, não comando as memórias, nem os pensamentos, são antes eles que...
Quando abri os olhos não tinha a certeza de que tinha sonhado com ele. Há tanto, tanto tempo que não pensava nele. E tinha no entanto a sensação que ele tinha estado tão próximo, ainda à segundos. Tentei lembrar-me da sua face. Ainda que os meus olhos não se lembrem com clareza, os meus dedos desenharam no ar a sua face com uma surpreendente precisão, que vim a confirmar mais tarde com a sua foto maltratada. Um espasmo de nojo de mim própria correu-me o cérebro. Odeio histórias de amor.
)Mas os meus sonhos não(
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