quinta-feira, agosto 24

Colapso 2

Pela primeira vez, ele quase ficou sem palavras. Ou melhor, um excesso de palavras branqueou-lhe a mente. Era como se a perfeição passasse pelos seus olhos verdes numa ligação directa à ponta da língua. A respiração acelerou, as pupílas dilataram, os dedos húmidos apertavam-se uns contra os outros e ardiam. Teve de lhe falar naquela mesma tarde - e foi entre os seus olhares cabisbaixos e sorrisos cobertos que o pescador descobriu o verdadeiro amor. Quando lhe tocou pela primeira vez, o perfume dela invadiu-o de tal forma que lhe roubou o elástico do cabelo, para que deitado na sua cama pudesse sentir o seu aroma forte a perfume francês e creme do sol. O resto, eram fragmentos apaixonados. A textura do seu pescoço, a suavidade das suas costas imaculadas, a sua ignorância aveludada sobre o mundo fora das vivendas. A sua manicure francesa. O tom mel das suas coxas em contraste com a areia branca. Ela era tão diferente de tudo o que já tinha conhecido. Era de uma cor diferente, e movia-se delicadamente sobre os seus saltos de cortiça. E os seu cabelo, certamente não cortado à navalha pelo barbeiro da rua 5, tinha um movimento sobrenatural e esvoaçava como nunca tinha visto (sem ser nas histórias infantis).

Claro que não foi por isso que o pescador deixou de ser O Pescador. A noite era sua amiga de longa data, e ele, conhecido desde cedo pelos donos das tabernas e recentes "bares da noite" não podia deixar de aceitar a sua... hospitalidade. E mesmo que ao por do sol os seus olhos se enterrassem na áurea clara de vanessa, a escuridão libertava-o para os braços ( e pernas e bocas) das esguias morenas ou inglesas rechonchudas que caminhavam com as suas micro saias de verão pelas calçadas. Vanessa ouvia rumores, que ele desmentia beijando-a cuidadosamente a testa, afastando-lhe a franja salgada. Ela era a sua flor, o seu amor eterno... de que importava o resto? E dia após dia ele estava ali: para rir com ela, acariciá-la, aconchegá-la, protegê-la. Só quando ela voltava para o seu mundo, ele voltava para o dele.

Foi já no fim do verão, quando a praia estava deserta e um tom acinzentado se sobrepunha à areia, que o Pescador avistou Vanessa a chorar sentada no muro da calçada. Ao seu lado jazia uma mochila óbviamente carregada demais. À duas semanas que quase que não havia, e com a falta de proximidade nasciam as dúvidas, as saudades salteadas com uma desconfiança amarga. Chegou-se ao pé dela e beijou-lhe a face molhada. Já não recordava as palavras exactas. Só o momento em que pronunciou... "grávida".

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