quarta-feira, abril 4

O mau sentido

É certo como isto: o sol põe-se todos os dias.
E todos os dias, eu acendo a lâmpada do meu candeeiro, e escrevo.
E às vezes, acreditem, até pinto poemas-prados, com castelos encantados
e coelhos, e relva e borboletas.
Mas isso é antes das palavras se tornarem obsoletas.
E azuladas (como se adoentadas pela luz artificial).
E depois as rimas deixam de ser orquestradas,
mas... ridículas. No mau sentido.

E depois, depois...! As cartas transformam-se em meras palavras;
E o sentido evapora-se nas linhas parvas
que regram o que devia ser só imaginação!
Depois, as palavras tornam-se sílabas,
e letras mal lidas. Gramáticas corrompidas.
Erros! Aqui, e ali por todo o lado...
E no canto avisto o ponto final borrado.

Já não há mais nada a ler.
Nem mais nada a ser escrito.
Porque na minha cabeça, os pensamentos dispersam-se em nuvens baças,
E depois num vazio apertado que dói à superfície da pele.
Qualquer tentativa é frustrada, e atrás da face...
o desenlace da luta entre o nada e o coisa nenhuma.
Na bruma, nada. Desapareço mergulhada em mim, egocêntrica.
Patética. No mau sentido.

E escorro a alegria do outrora...
Do que no outro dia me fazia sorrir.
Mas nem a aurora numa cama fria,
Nem o chá numa cama quente.
Nem a companhia. Nem a solidão.
Nem o sopro apertado de outro coração.
Nem as moedas na algibeira,
Os amigos da cabeçeira,
Os deuses nos livros.

Estou sozinha de novo, cansada, sem ter levantado um dedo.
O meu olho esquerdo já dorme.
Estou sozinha porque quero, e nem sei se quero.
Mas estou cansada de mais para pensar.
A palidez conquista-me o busto,
e mantenho o anonimato.
(Enquanto tenho esta conversa com o meu reflexo,
azulado pela luz falsa,
enrugada sobre a escrivaninha,
envolta em mantas, cheia de frio...)
Lembrei-me como é em vão. No mau sentido.

Sem comentários: