Perdoa-me
Confiança é uma daquelas coisas de conceito tão absurdo que no dia-a-dia se tornam concretas como se fossem físicas. E o que é? Poderemos alguma vez ter confiança em alguém ou em alguma coisa? Absolutamente?
Acho que confiar não é algo tão rígido como o sim e o não. Talvez seja mesmo um defeito inalável meu, mas nunca consigo reduzir as minhas escolhas a dois pilares que sustentem a minha vida. Nunca tive só 2 escolhas, e talvez, quando as tive inventei mais umas quantas. Ou talvez as escolhas sejam sempre num número infinito e nós na nossa imoralidade humana reduzimos-a ao impossível: às duas escolhas básicas da vida.
E isto para explicar o absurdo que representa para mim a confiança. Será que confio em alguma coisa? em mim...? As bases da confiança é suposto serem simples: uma "segurança íntima", "crédito". Quando confiamos em alguém, completamente, se for possível, abrimos a essa pessoa o nosso ser, mas de maneira total, mostramos-lhe tudo o que somos, tudo o que temos, tudo o que não somos, tudo. E mais do que isso, confiar numa pessoa não é acreditar que ela não nos trairá de modo nenhum, mas que ela se restringirá aquilo que nos diz que é. É dar-nos completamente a ela e receber em troca o mesmo valor em confiança. Confiar num ideal é resumidamente o mesmo, será acreditar tão inocentemente em algo que se tem acerteza absoluta dessa ideia.
Desejo ardentemente com toda a minha força e vontade que ainda existam pessoas, que se libertem da fatiga das desilusões e confiem abertamente, livres de preconceitos e lágrimas precoces, confiem, simples numa submissão que os levará a um dia atingirem o momento chave: em que se rodeiam de objectos de confiança, e possam ser completamente eles mesmos, mover-se num espaço totalmente seguro. Não será isso que todos nós procuramos, no fundo, segurança? Mas ainda haverão pessoas como eu, haverá lugar para elas? Pessoas inconstantes e inconscientes, irresponsáveis e sós. Indíviduos perdidos na desconfiança e no horror do cepticismo.
Não sou capaz de confiar. Não totalmente. Não abertamente. Não há mais nada a dizer. Quando confio, nunca sei se é um acto puro ou genuíno ou se me estou a enganar face a todas as palavras que me atraem a pensar que estou a depositar uma parte de mim que será mais uma vez quebrada. Talvez me tenha atirado vezes demais aos leões, e agora tenha medo de entrar na arena. Talvez prefira esconder-me no canto escuro de uma sala pública, e resignar-me, em segurança, a observar os arriscados passos dos outros...
Preciso de pedir desculpa não só a todos os ideais que já traí, a todas as pessoas cuja confiança, depositada em mim, se vem perdendo aos poucos nos meus actos. As pessoas que dantes me amavam e que para sempre sentiam que iam ter o meu amor, as pessoas que ouviram os meus lamentos tolos de perigo, nas quais eu parecia acreditar, numa tentativa frustrada, novamente, de confiança. Desculpo-me daquelas amizades que deixei no caminho, temendo a minha segurança. Talvez, se a confiança nelas fosse maior, teria-as continuado junto ao mar, a ver mais um por-do-sol numa carruagem vazia. Os amores, as vidas, os amigos, as opurtonidades que perdi temendo que quebrassem a minha confiança roubada! A segurança pela qual anseei no dia-a-dia, que me conduz milha a milha por um caminho de assaltos e sobressaltos.
Perdoa-me por favor tu, provavelmente a minha mais valiosa amiga, mais intensa. Aquela que mais me fez sorrir, que mais me fez chorar. Deste-me a conhecer um mundo que habitava em ilusões... levaste-me a sentir por ti, a temer, e a emoção acabou por estorquir aquela gota imprudente de confiança e fantasia que entreguei a ti... mas que acabou de secar quando o temor seguro se instalou. Perdoa-me por me ter esquecido o quanto precisava de ti, no meu dia-a-dia, e o quanto todas aquelas pequenas coisas que me iritavam não importavam face ao que havia (?) entre nós. Mudaste-me e isso assustou aquela minha essencia cobarde.... Perdoa-me se não confiei o suficiente em ti para ser cega face a ti, força da natureza. Perdoa-me porque sei agora que também precisavas de mim, e que se os problemas te invadiram por dentro, como antes te invadiam por fora, é porque não ergui o meu escudo para te ajudar. Agora que constato isso, é como se eu só existisse porque precisavas de mim, e quando a minha confiança se foi, percebi que a tua necessidade não era mais que falsa. Vi-te rodeada daqualas almas livres e amigas e fiéis e tive de me re-inventar... Perdoa-me. Por não confiar.
Não vivo num conto-de-fadas. Muito menos tu. E a vida tem se demonstrado muito mais complexa e com tantas faces que examiná-las todas parece uma prespectiva de ignorante e não de estudioso. Mas vou tentar analizar então os pontos de mim tão errados como o medo que me move. O medo da insegurança. O medo de algo maior talvez: o medo do sofrimento. O terror da solidão. Numa análise da minha vida, a resposta geral é uma sincera fuga. O valor-núcleo é a desconfiança.
Perdoa-me.
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