terça-feira, abril 25

São as mentiras que dizemos um ao outro que batem levemente à porta

Eram aleatórios. Mas não pensem que a falta de rotina era causa da falta de preocupação, de amor. Estarem juntos era uma necessidade.

Acordava e precisava de o ver. Não saia do meu sorriso, dos nós do meu cabelo. O seu cheiro estava encurralado na minha garganta! Cada gota de água quente no chuveiro era como que uma lembrança leve da sua pele, e cada raio de sol os seus beijos, as suas mãos e o movimento apaixonante das veias do seu braço tocando nas pontas dos meus dedos enquanto folheava um livro. Cada nota era uma breve lembrança do tom da sua voz.

Acordava e era indispensável vê-la. Em cada carta que recebia antevia a sua caligrafia grosseira, os envelopes amachucados nas suas mãos. Em cada rapariga com quem me cruzava via o seu andar ligeiro, quase que sentia o perfume do seu corpo. Em cada gaguez muda de alguém reconhecia aquele medo corajoso que a envolvia em mistério. E o azul! Meu Deus, como o azul do céu me fazia pensar naqueles dias com ela!

E para quê? Nenhum deles o sabia. Tinham passado tantos tempos e sonhos que cada um deles tinha a certeza que aquilo que se lembravam estava turvado pela imaginação de anos de saudades. As saudades tinham tomado o lugar dos corpos, e agora, talvez amassem só a elas. Quando se viram, num acaso premeditado, sentaram-se lado a lado e não falaram. Ela imaginou como seria tocar-lhe. Ele perguntou-se se os seus lábios ainda saberiam a pastilha elástica.

Senti-me estúpida por estar a pensar nestas coisas, lado a lado a um estranho que à anos não via.

Ela era outra pessoa. Como fui idiota ao pensar nisto!

Deitaram-se à noite, depois de uma despedida fria. Nada nunca mais iria acontecer. Porque afinal, as saudades dominavam até as suas presenças. Deitaram-se à noite, caindo num sonho com o passado.

E no entanto, como me senti perdida na nudez do teu sorriso.
Á noite os sonhos são mais vivos. Acordo, e são pálidos novamente.
Já não me importo. Vou ao sabor do vento.

1 comentário:

Alexx M. disse...

Às vezes apaixonamo-nos pelas memórias, quando já não conhecemos as pessoas que as criaram...
Gostei do texto, consegui visualizá-lo pormenor a pormenor, imagem a imagem e vê-los sentados lado a lado foi muito vívido. Gostei mto.