terça-feira, junho 27

Trilhando a noite

Ao por do sol as coisas são reais só por acaso. A sombra cai sobre a relva num tom pastel de verde alface (murcha) e o céu imita aquela cor arrocheada dos quadros das madonas. Um azul fumo entre o limite do céu e da terra. A água cerra-se em mistério e esconde-se debaixo de um espelo negro.
Sim, não se deixem enganar pelo trigo dourado e o ondular vivo (e cinzento) dos rios: aquele tom leve de tosa deixa um rasto cada vez mais escuro atrás de si. E nós trilhamos os carris do combóio e corremos contra o sol moribundo. (Porque não sabemos). As florestas cobrem-se de breus e as cascas estalam de frio. Os bichos sobem, as folhas sabem que os rasgos de luz que escapam entre os troncos são os gritos agonizantes de mais um dia que desfalece nas colinas. Só eles sabem como o vento sopra mais forte para arrastar o sol do céu. E os ramos mais altos dos pinheiros coroam-se com os últimos raios, ostentando o seu orgulho egoísta.
Estamos já do lado escuro, mas continuamos a correr contra o sol poente. E o vento é tão vorte e frio que faz girar as folhas até se ver a sua bainha. A areia que acompanha a estrada batida foi desbotada pelos mesmos raios de luz que a faziam brilhar como diamantes. E as telhas sabem, e os pássaros sabem enquanto se protegem debaixo delas: a noite vem. Só nós continuamos impávidos, correndo...

Ao fundo já só vejo as nuvens rodeando a ultima bola de fogo laranja. E parecem-me anjos de algodão doce que anunciam a chegada dela.

Porque nós não sabemos, mas a noite tem o poder maravilhoso de transformar tudo.

Sem comentários: