quinta-feira, novembro 23

Pedras de açúcar

As palavras deslizaram pelo labirinto da garganta, e deixaram - quem diria - um rasto de pedras de açucar vermelhas, dispersas entre os sulcos do esófago. Talvez elas quisessem encontrar o caminho para casa, mas desta vez não houve náusea que as salvasse. Engoli-as, a seco, sem respeito ou piedade, nem por elas nem pelos arranhões doces constantes que o resto do dia me atrapalhariam a digestão. Subiram-me ao sangue e aliviaram-me a pressão dos ossos e dos músculos comprimidos contra a alma, numa injecção de um eclipse claro; e quase se projectaram nas gotículas de saliva dos meus gritos alucinados (mas impedi-as de sair, e prendi-as entre a gengiva e a bochecha.)

As palavras não perdoam a violência com que as sugamos do ar. Não se esquecem de como nos apropriamos delas, sem justificação (ou com tantas outras inválidas). Não nos perdoam pela voracidade com que as explodimos no céu; e tanto mais... E nós continuamos, ditadores fanáticos: em pânico, a sorvê-las, a beijá-las, a atormentá-las com os nossos pensamentos aleatórios! Nem saboreamos o sangue que elas pintam na nossa língua, nem o sofrimento que impregna o nosso pobre, pobre coração.

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