Parvoíces de agora
Faltei ao meu compromisso enquanto mulher.
Não gosto das roupas que tu usas. Não gosto das roupas que esperas que use. Odeio os padrões de vida que se escondiam por entre falsidades antes de eu nascer, e que é suposto regerem a minha vida e a vida de tantas pessoas depois de mim. Estou no peso ideal para a minha altura, mas sou roliça. Amo-me a mim mesma mas detesto o meu reflexo. Não cozinho. Não lavo a casa de banho. Não uso uma tanga cor-de-rosa por baixo de uma micro-saia branca. Não uso soutiens com rendas. Não me aflijo por não ser como o modelo que esperavam que eu fosse. Não me desiludo com as vossas desilusões. Não gosto de cableireiros. Não tenho jeito para pintar unhas. Só gosto de perfumes de homem. Não sou loura, não espero ser. Não me importo que aches que estrago a minha vida a cada passo que dou. É a minha vida. Já deste a tua opinião - não a ouvi? Cala-te. Não quero saber. Se me dás conselhos baseada na tua vida, olha para ela primeiro - achas que é boa o suficiente para a expandires à minha?
Sou insegura. Sou confiante. Sou eu em várias versões diferentes consoante a luz que me ilumina a madrugada. Mas sou sempre uma versão de mim melhorada para alguém. Procurei apoiar-te. Estar lá. Falar-te. Amigavelmente... afastaste-me? Preocupava-me com a tua opinião. Com a opinião dele. Com a opinião de todos eles. Agora - acabou. Não vou mudar o que sou para te fazer feliz, nem que o faças por mim. O meu "eu" não me larga, e ao mudá-o, assassinava a alma mais pura que tenho por dentro. Não posso deixar de ser como sou se não por um processo de erosão natural e privado. Não posso voltar a ser o que era à uma hora atrás, nem vou deixar de ser o que serei daqui a 2 minutos. O tempo transforma-me a cada segundo, e a cada milésima dele sou irremediavelmente uma pessoa diferente. Não é a tua experiência que me toca.
O meu conhecimento da vida é diferente do teu - nem perfeito nem completamente imperfeito. Está no meio. Como o de todos nós. Não são as tuas palavras que me acordam da possível efémera ilusão em que me afundo enganada. Só a queda. Estou farta de todas e todos vocês que esperam que eu seja o que esperam que vocês sejam, conforme a moda, as circuntâncias, os gostos, os desejos, os sexos, as taras, as sexualidades, as culturas, as vidas. Vocês são o que esperam de vocês? São o vosso máximo - óptimo. Mas vão à merda aqueles que pensam que são tão bons que podem me dizer como seria melhor. Ninguém pode dizer-me para mudar sem ser perfeito - só aí terá conhecimento do absoluto, e poderá ver tudo: o bom e o mau - e decidir o melhor.
Não tens nada a ver com o que eu faço. Com as minhas escolhas. Se faltei ou se não faltei. Se sou bi, ou homo, ou hetero, ou tudo, ou nada. Se tenho medo do escuro ou da luz. Se choro à noite para poder rir de dia. Se rezo ou se cometo heresia. Nada. São poucos e cada vez menos o que considero amigos, e espero que o sejas do fundo do meu coração. Mas se não és.... podes ter sido... posso ter passado dois meses só contigo mas não te falar à três. Podia te venerar, mas agora olho para ti distante? Podia te amar e agora esqueço a tua existência. Então cala-te. Porque amigo é aquele que sabe mais de mim do que eu própria. Aquele que não se preocupa em mudar-me, ou melhorar-me, porque me ama tal como sou - e a quem dói ver manchas em mim mas conta-me cada imperfeição com carinho.
Não sou a mulher que todos esperam. Nem sei se sou... mas não quero ser. Quero seguir-me pelas minhas próprias tolices, e não pelas vossas. Pelos meus próprios padrões e não pelos de gente que nem sabe de onde os seus vieram.
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