quarta-feira, dezembro 21

Através da janela

Parece que fugimos do dia, que devora tudo. Fugimos e mergulhamos na noite, penetrando numa velocidade alucinante nos seus veios de morbidez, rasgando a barreira das horas. Fugimos do dia. E pela janela, vejo como ele é ditador. Todo aquele tom azulado de nojo tão claro, tão falso, tão estupidamente feliz. Um cenário que rouba a vida (um mistério de todas as coisas). E vou de costas. Corro mostrando os passos ao inerno. E assim surge-me a imagem de que todas as coisas nascem no meu movimento, do canto inferior direito da minha janela, e se vão espalhando, pouco a pouco, por toda a janela, formulando a paisagem, encontrando os seus lugares no mundo. A meio do caminho, talvez pela sonolência, as cores do céu parecem-me uma palete de cores de guache, misturadas, aguarelas. E torna-se a minha missão distinguir as cores. O preto do azul. O azul do turquesa. O turqueza do verde. o verde do amarelo. O amarelo do preto. Há uma linha invisível que as separa, mas apesar de tudo elas são um conjunto. São individuais, originais, mas nunca deixam de ser cores, e tocam-se, esbatem-se, esborratam-se. Completam-se... Completam a paisagem, que é como uma tela perfeita, uma fotografia em movimento. Por vezes assemelha-se à trsteza das fotosa sepia ou a preto e branco. Paisagens contínuas imortais e mortas, muitas vezes vejo-as ofuscantes, avidas de poder sobre os meus olhos.
Entrego-me à paisagem e aos meus olhos que dançam sobre os arbustos, pairam nas casas, nos animais, pelo caminho. E, é aí que eu mesma me fito a correr livre sobre o musgo húmido, juntando nos bolsos pedras e espigas, malmequeres e pequenos galhos de pinheiro bravo. O perfume é estonteante. Salpico os pintassilgos com o mesmo toque do primeiro encontro com a natureza. Visto o sonho. Neste sonho, como as cores, tudo é diferente mas se mistura. E assim, eu, num milagre estúpido de infância. A única pessoa no mundo era eu. eu era todas as árvores, todos os grãos da terra castanha, dos riachos escorregadios. Não era mais do que a falsa lembrança de uma barreira que me unia ao céu. Á minha volta, os frutos da mãe natureza.
Acordei com o toque de um homem qualquer. Mostr o bilhete e ele esforça-se para não olhar para a minha cara de zombie. Eu esforço-me para nã olhar de frente um semelhante, que tão diferente era de mim, lembrando-me da minha essência mais áspera e rotineira. Chegámos à estação. Mas o meu mundo ficou lá atrás...

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