sábado, março 4

Doce demais

Era uma daquelas coisas estúpidas. Daquelas coisas ingénuamente estúpidas, deliciosas; Não tinha nome: e não precisava de nome. Encontravamo-nos ocasionalmente na rua todos os dias, à mesma hora. Era um encontro silencioso - uma marcação na agenda para a vida, que não necessitava de palavras, expectativas: só eu e ele. E passeávamos, fugiamos nas ruas, decidiamos em jogos os caminhos a percorrer... escondíamo-nos atrás dos roseirais e espreitavamos à janela dos amantes, gozavamos e brincavamos e as gargalhadas alongavam-se pela noite quando as nossas posturas se sucediam em união; era uma chama! Que ardia em paixão e amor, duas chamas!! um incêndio imaturo que avivava o lume dos olhares cruzados, e levantávamos os braços em abraços únicos e beijos protegidos por pétalas de rosa. Ele era verdadeiramente um romantico. Por vezes, no seu olhar parado fiando o verde do oceano adivinhava a curiosidade do nosso futuro: os netos, os filhos, o casamento, a casa, o noivado : num nós demasiado longo parao meu gosto presente. A verdade é que nunca gostei de compromissos. Desde sempre, imagino. As meninas costumavam brincar às princesas e principes para sempre, mas a mim para sempre era sempre tempo demais, e os enleios eram sempre maiores.
Era uma coisa estúpida: e apenas mais uma. Um dia, ao por do sol, quando estávamos enroscados numa gruta escura iluminados pelo laranja do céu, olhou para mim com um olhar verde-paraíso e colocou-me na palma da mão a correntinha de prata. Era muito simples (de certo as suas poupanças do mês) uma corrente de prata, cujos elos eram 4 bolinhas verdes baças, para me lembrar dos seus olhos- disse-me. Não foi a melhor jóia que já recebi, nem a com mais valor sentimental ou material.Mas segui o protocolo e beijei-o, acariciei-o e protegi-o do mundo nos meus braços. Quandonos despedimos dei-lhe uma madeixa do meu cabelo atada por uma fita - para se lembrar do meu perfume... e ele segredou-me que todos os dias olharia para aquela madeixa ruiva e lembrar-se-ia do calor que o aquecia quando me via. Cantou-me como eu era o seu dia... e despediu-se.
Como sempre fugi. Era uma daquelas coisas ingénuamente estupidas, enjoativas. Era doce demais. Nao tinha nome: não precisava de nome. O amor é doce demais.

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