Fragmentos descartáveis
Muito bem, pode começar. como se sente hoje?
Ninguém gosta de mim. Não de mim. Gostam do que eu lhes pareço, da minha letra, da minha presença, do que represento, como imagem estática - para cada um deles. No entanto não gostam de mim. Ás vezes pensam alto, entredentes, que sou estranha - mas não estranha no bom sentido, não estranha no fora do comum: sou-lhes estranha. E daí é um passo. O cérebro manda uma mensagem às suas faces coloridas e reviram os olhos, naquele olhar cinzento. Desviam o olhar. Desviam a atenção, como quem pensa "já não vale a pena". Mas não me entenda mal, eu sei que não pensam... o pior é que não me encaixo. Nunca digo a coisa certa. Quando sou honesta, reviram os olhos e dizem "Não sejas totó". Quando minto reviram os olhos nem dizem nada. Realmente não me encaixo: e lá surgem, sempre que me dou a falar com qualquer pessoa, aquelas expressões cinzentas e nulas estampadas. Não podem negá-lo, porque me lembro de cada um deles. De todos. E nem os recrimino.. eu também não me encaixo em mim.
Ninguém gosta de mim. E não percebem que não gostam, e magoam-me ao tentarem suportar a minha presença. Mas se calhar nem é isso. Na verdade, sou simplesmente uma sombra quesurge de vez em quando perante os seus olhos para dizer algo inútil, e depois até eles desejam ocupar melhor o seu tempo do que com algo tão inútil. E nestas horas, dentro da minha garganta, nasce uma lágrima que me sufoca. Tento ser como eles. QUERO SER COMO ELES! Esforço-me, mas em vão, porque eu sou eu, ou outra pessoa qualquer que não se adapta ao mundo nem ao meu pensamento. Ás vezes, as pessoas que fingem para elas mesmas que gostam de mim dizem: ela não é assim. Ela não sente assim. Ela exagera. Ela dramatiza. Ela agora chora, mas daqui a pouco está bem: e não se importam, porque acham que eu, a pessoa de quem gostam, está sempre bem - e qualquer lágrima passa depressa. A esses só tenho a dizer: não passa. Fica. Dói quando estou sozinha, porque com vocês não tenho mais coragem para desabafar - nem a vocês vos interessa. Querem ter-me aqui, falar comigo, matar saudades: mas matar saudades do quê? da superfície dos meus olhos, por certo, porque de mim não é. Eu não sou o que eles pensam que sou, nem o que eles dizem! Ninguém sabe quem eu sou, nem eu. E isto é dramático: não rias nem digas: és mesmo tola, ou "aimenina...". Não adianta. Porque na verdade tudo passa, e eu também passo por vocês, inerte e deixo-vos continuar iludidos.
Ninguém gosta de mim e eu nem os culpo. Nem eu gosto de todos os fragmentos de mim que existem - na verdade odeio-me, todos os cacos do espelho. Dentro de mim já há rugas, já há ferrugem salgada e vermelha. E queria tanto acreditar, queria tanto ser, queria tanto ver, tocar... ser como eu queria, como eles queriam. Mas a verdade é que eu não sou. Eu não existo... disperso-me em cada palavra que escrevo e já são tantas que a minha alma já é também dispersa e louca, desconcentrada das coisas do mundo. Sofro, e as minhas palavras sofrem por mim. Aqui, continuo estática e sem graça. Sou opaca. Tenho medo de tudo. Tenho medo do que quero. Medo do que deixei para trás, e medo do que deixei para a frente. Odeio-me: e só queria ser eu (ou o que eu queria ser, se o soubesse).
Tenho inveja das pessoas felizes: mas só quero que todos amem e sejam felizes sem mim, porque assim é que deve ser. Ningém gosta de mim. Sou inútil, descartável, irrelevante de mais para ser levada a serio.
Só queria amar, ser feliz e esquecer. Mas ninguém gosta de mim - incluindo eu. Percebe?
Já gastamos o nosso tempo hoje, fica para a próxima.
Cuide-se, eu preocupo-me consigo.
Já tinha saudades das nossas conversas.
Adeus
(e revira o olhar)
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