Cedo demais (parte 2)
Agora esmagavam-lhe o tronco contra um punhado de azulejos quebrados. Já não sabia quantos dedos lhe percorriam os pêlos, o cheiro insuportável impregnava-se nela: era ela mesma e já não era ninguém. Algum deles talvez... mãos afastaram-lhe as forças e ela não se debatia. O resto era dor. Ou menos, era nada. Quebrou-se a áurea, morreu vezes sem conta sem renascer. Só mais um pouco... o sangue sujou-lhe as pernas e pingou-lhe as calças de ganga floridas (que humedeceu mais tarde na banheira). O resto, só sentada; jogada como um mendigo ou um cão sarnento, uma boneca usada e sem vida: castanha, suja, inerte, só, nada. O resto, era um só um susto branco do qual não se lembrava. Quando a lembrança lhe invadia a massa doia-lhe a nuca das pancadas do choque contra a parede irredutível. As pernas tremiam e os olhos inundavam um brilho surdo. Mas não chorava, chorar era lembrar-se um pouco mais, era sentir novamente na face, era aceitar e dizer ao mundo o que tinha acontecido.
"Estás bem?" - perguntaram-lhe. Claro que não. Era uma criança, ou não? Tinha medo... deles, dela, de crescer e de ser criança. Medo do corpo, da culpa, do escuro, da solidão, da areia áspera que lhe entrara para as sapatilhas. Medo das ruas, das almasam medos ao penadas que lhe susurravam medos ao fio do pensamento. A culpa era deles, era dela. Não podia dizer: tinha medo. Não sópor ela, mas pelas reacções dos outros. Diriam, sem dúvida, que tinha sido imbecil, que não tinha pensado bem, que a culpa era um pouco sua. Diriam depois que a culpa era deles e persegulos-iam - talvez até os matassem: como podia desgraçar assim a vida dos que gostavam dela? Desgraçada era só ela.
Sorriu. Rio a gargalhada levantou-se e correu, gritanto: "Estou muto bem, tenho de ir... muito bem! Não se preocupem"
Realmente nada tinha acontecido. Mesmo quando o pensava, quando o dizia, quando o contava em sucessão de loucuras. Nunca tinha acontecido. Era fruto da sua imaginação, e nem ela existia.
Chegou a casa e escondeu-se no quarto. Disse que ia tomar banho e humedeceu a roupa, lavando-a serenamente. O corpo estremeceu quando lh tocou como se já não se lembrasse de quem era. A noite dormiu longe dos vultos da almofada. E de resto, nada tinha acontecido.
Sem comentários:
Enviar um comentário