24.
Meu amor,
O mundo tem os dias contados. Quem pode com o belo que o carregue. Mas não basta descrever o humano, há que inventá-lo! Não basta ver o que somos, mas o que podemos ser. Quem não sentiu uma mão na cara, para a guerra ou para o amor, não lhe conhece o poder. Quem regressou da morte ao mundo, contrariando duas vezes a natureza, sabe que não deve desperdiçar os dias que lhe são dados, não pode desperdiçar o tempo com aqueles que se afastam. Foi assim, meu amor, que vim aqui parar, sorrindo no alpendre da tua alegria, com um bandolim, um violão
e uma garrafa de canções. Andar pelo Universo não é de graça, paga-se com a vida. E a vida, meu amor, o tempo em que se vê as formas e as coisas, deve ter responsabilidade. A tristeza não inventa nada. A tristeza tem os pés demasiado apegados à terra, o corpo muito pesado pelo excesso de certezas. A tristeza não voa. Lançada do cimo de um edifício, a tristeza desfaz o seu crânio no asfalto. Como é diferente a alegria, meu amor! Já a viste, na praia, presa às mãos de uma criança e, mesmo assim, a subir no céu? Não precisa mais do que vento, para subir. A alegria inventa tudo. Atirada ao mar, a alegria flutua, a alegria nada. A alegria avança em qualquer terreno. Nas densas florestas do teu país, podemos ver a alegria enrolar-se aos troncos das árvores e pôr a língua de fora. Quem julgas que inventou a roda, a alegria ou a tristeza? Quem julgas, tu, que inventou a palavra, a calada tristeza ou a efusiva alegria? Quemjulgas que inventou o amor? Quem julgas, tu, que inventou Deus, senão a tristeza? Meu amor, a tristeza quer ser maior do que os homens, quer ter a certeza, quer ser ela a dar as ordens, a ditar as regras! A tristeza quer ser omnipresente e omnipotente. A tristeza quer que fiquemos sempre na mesma. Quem julgas que inventou a ciência, a alegria ou a tristeza? Quem julgas, tu, meu amor, que nos pode destruir, a alegria ou a tristeza? Quem julgas, meu amor? O teu.Este post estava no site http://www.portugal-existe.com/c/ de Paulo José Miranda.
Sem comentários:
Enviar um comentário