Eu também não sei.
Quando a explosão rebentou na sua frente e os pedaços de vidro se cravaram nas maçãs do rosto, foi aí que ele percebeu. O corpo foi projectado para trás, mas a gravidade agarrou-o, a poeira e a cinza empaparam-lhe o cabelo e queimaram-lhe a superfície da pele. A sua mão ensanguentada tremia sem controle e o ar arranhava-lhe as narinas secas. Nem uma lágrima conseguiu trespassar aquelas pestanas desfiadas. Caiu de joelhos no chão, sem sentir os destroços que lhe atravessavam as calças camufladas, e então percebeu. Ele não sabia nada da guerra. Mas agora, já da boca smi-aberta escorria um fino fio de sangue, com sabor a morte. A língua já não lhe sabia a beijos, nem às palavras doces da justíiça. As mãos já não contavam dinheiro, mas os mortos, amigos e inimigos que se amontoavam à sua volta de corpos abertos e cedo apodrecidos. As dores dos músculos alastravam a todo o corpo, a toda a alma; e os filhos que sonhara ter um dia tinham o rosto dos bebés que choravam de fome, dos que já nem choravam sequer. Tinham o rosto dos meninos que roubavam os mortos, de arma em punho. "Filhos da puta", murmurou, observando felinamente enquanto se aproximavam. Num último esforço, levantou a faca que tinha à cintura, enterrou-a na barriga surpreendentemente saliente do pequeno soldado (que lhe investigava o único sapato que tinha calçado). Nem o viu a agonizar no chão. Deixou-se cair no buraco negro que se abria no solo e o consumia; Pensando que tinha feito a diferença, tinha dado o melhor de si. E quando ganharam, na televisão mencionaram as vítimas e os heróis da guerra, quase como se fosse diferente.
Será que cabe tanta gente na palavra guerra?
Sem comentários:
Enviar um comentário