segunda-feira, fevereiro 12

O velho da Alameda

O velho disse-me aquilo num tom ameaçador, como, aliás, usam todos os velhos quando querem mostrar que falam a sério.
- Mas eu, quando era novo, tinha minhocas na cabeça!

Eu virei a cabeça, enquando puxava um riso manhoso. Eu já tinha ouvido aquela expressão, disse baixinho, para não ofender.

- Nããão... eu tinha mesmo minhocas na cabeça. Elas eram grandes, pequenas, escorregadias e baças. Algumas tinham pequenos espinhos, e outras eram tão compridas que se passariam dias até encontrar o fim! E lembro-me de uma, lembro-me de uma...! Toda enroladinha, como um porco espinho...

(Humhum, disse tentando aclarar a gargalhada que me fazia cócegas na garganta)

- Mas porque é que eu estava a dizer isto.. ah! E como te disse, eu passava a vida a tentar puxá-las cá para fora. Ora com pequenos pausinhos de videira, ora tentando apanha-las quando espreitavam pela minha orelha (vinham apanhar ar, percebes!) Mas nunca conseguia. Até que um dia tive uma ideia - à noite, trepei a um pinheiro cheio de ninhos e deixei-me ficar lá, quieto. Quando o sol nasceu e os pássaros acordaram, começaram a cantar e a chilrear. Ora como é óbvio, a maior parte das minhocas assustou-se, com o eco na minha cabeça. E sairam todas, as coitadas! Se bem que algumas eram muito nojentas, percebes?

(E a este ponto já contorcia as pernas e os dedos das mãos para conter o riso - Pois...)
- A trabalheira foi quando desci e percebi que tinha ficado lá uma. Não era muito gira, era mesmo daquelas magrinhas e nojentas que antes seguiam as outras para todo o lado. Conseguia senti-la a andar para cima e para baixo, e a esburacar-me os pensamentos todos como uma pá cava na terra. E de cada vez que se punha a revolver, eu pensava as coisas mais parvas, oh menina! Eu pedi muito, muito, muito, para que se fosse embora. E então, um dia acordei, e a pequena minhoca tinha desaparecido, entrou para um botão de rosa qualquer, sabe-se lá!
E em vez de ficar melhor, a minha cabeça doeu mais ainda, durante muito tempo. Doeu de sozinha, sabes... agora que tenho uns aninhos a mais é que sei... Mais um bocadinho de paciência, e as minhocas tinham saído umas lindas borboletas...
(Tive de repensar o diálogo. O meu ar de confusão deu nas vistas e as rugas do velho contrairam-se para trás, escondendo-se na careca e deixando à mostra um sorriso sem dentes. Recostou-se no banco de pedra e soltou uma gargalhada irónica daquela que só os velhos muito velhos é que sabem dar)
- Ai, menina... as coisas que tu pensas... deves ter é muitas minhocas por aí a escavarem. Mas eu digo isto para o teu bem! Deixa-as ficar só mais um bocadinho. Tens de aguentar as loucuras, e os erros, e as parvoíces que te vêm à cabeça. E se as tiveres de fazer, olha, faz! Porque uma ou duas dessas minhocas, são daquelas doutros continentes, lá longe... daquelas grandes, as asas parecem páginas de um livro sujo de tinta azul. Tens de ter paciência contigo, e com as tuas minhocas. Mais dia menos dia vais sentir falta delas.

1 comentário:

J. disse...

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhh! gosteiii tanto =D os velhos, os velhos...rimo.nos c as coisas delas mas são os conselhos mais valiosos q nos dão =D