quinta-feira, março 29

Algo me diz que é uma metáfora

Acordei. E por detrás da porta de madeira branca ouvia o burburinho irrequieto dos pacientes. “Sala de Espera”. Se é o que diz na porta, é o que é; tão simples como isso. – E o médico continuava, irrepreensivelmente, desenhando os círculos das teclas do telefone com os dedos grandes e secos. Palpou a lata de cerveja, mas o líquido já estava da mesma temperatura que o vidro da janela. Quente como o ar de verão que derretia os jardineiros em suor. E na secretária repousava aquela moldura de madeira, clássica, daquelas que se viam nas secretárias dos médicos “respeitáveis”. Cercada por uma fina linha de pó, figurava no retrato – ele, a mulher, e Sofia – quando ainda tinha os caracóis loiros e as faces redondas coradas. Que saudades tinha daquela altura, quando andava com ela no colo de um lado para o outro. Agora, isso seria uma vergonha. E só estar com ele, seria uma vergonha. O tempo de que ele dispunha, também não lhe permitia viajar todos os dias ao Porto, para onde a mãe se tinha mudado como novo... namoradinho.

Deixara de sentir angústia à tempo demais. Deixara de se sentir feliz à tempo de mais. Respondia com um sorriso (indetectavelmente) falso às piadas das secretárias. E aquelas que o tinham ajudado, logo a seguir ao divórcio, a saciar a necessidade de voltar a sair... essas mal lhe falavam, dizendo um bom dia esgueirado, de cabeça baixa. O sol a pingar pelas persianas fazia com que pequenas gotas de suor molhassem os cabelos cinzentos na testa. E os segundos passavam lentos no relógio. O tempo passava a ferros o temperamento, e mantinha-o em ebulição. AH... e as pessoas na sala de espera. (Podiam ficar ali eternamente)

Até ao dia em que arrombaram a porta da sala e eram demais para que pudesse aguentar.

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