terça-feira, março 27

Vil

Descaída nos lençóis vermelhos, a pele desdobrava-se em curvas e deslizavam pelo cetim. As coxas brilhantes de suor vibravam com a expiração cansada, como as nádegas riscadas de extâse contraídas ainda, e os seios pesando contra o colchão, disformes. Era um espaço incerto, aquele, entre eles. Pouco a pouco via a respiração do homem a mastigar lentamente os sonhos, a engolir gulosamente o ar em pecados sonoros. Cheirava a carne quente, numa volúpia escorregadia e pegajosa. Era um cheiro violento, hiperactivo, que rodeava a áurea e lhe espicaçava os pelos atrás do pescoço. Passou a língua pelos lábios gretados e beijou-lhe as costas. Mas ele não acordou. Passou-lhe as mãos pelo corpo, pelas dobras de carne; pelo curso do peito, da cinturas ao sexo. As suas bochechas descaídas coraram, salpicadas de calor e palpitações.
As mãos deslizaram para fora do corpo dele e passearam pelo seu. Com os anos que passaram, a pele caiu à sua volta em pregas dolorosas, as expressões rasgaram-se em velhice, os pelos fragilizados pela erosão do tempo quase desapareceram. Sentia as marcas dos filhos, as marcas das quedas, as irregularidades da pele. A luxúria continuava a piscar na íris. A violência do cérebro dominou-lhe os tendões, e só queria magoá-lo por dormir assim, suavemente, como se o mundo não acabasse. Só queria poder mastigar os pensamentos e engolir no vazio: não restar mais nada da alma, nem dos pensamentos estonteantes que a embriagavam.

Ah, será que queria destruí-lo a ele, ou a ela?

"Faz-me esquecer quem sou."

Mas não.

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