segunda-feira, novembro 27

Adopção de Crianças por casais Homossexuais

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Para compreendermos totalmente em que consiste a proibição da adopção de crianças por casais homossexuais, precisamos reflectir sobre o que é a democracia. Primeiramente este regime político define-se como fundado na soberania popular e na laicização e separação dos poderes. Um dos fundamentos essenciais da democracia é o respeito pelos direitos humanos. E o que são os direitos humanos? São direitos comuns a todos os seres humanos, sem distinção de raça, de cor, de sexo, orientação sexual, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.” (Art.º1). “Todos são iguais perante a lei.” (Art.º7).
Claramente a democracia não é um regime perfeito, tem falhas e está necessariamente em constante evolução, acompanhando a própria sociedade. Os direitos e deveres que temos agora não são comparáveis aos direitos e deveres instituídos à 100 ou mesmo 50 anos. E enquanto caminhamos a passos largos para uma participação mínima da população em geral no acto político, devemos observar que muitos erros permanecem nas nossas leis. No meu ponto de vista, o impedimento à adopção de crianças por Homossexuais é um desses erros.
A homossexualidade não pode ser encarada juridicamente como “como um pecado grave e imoral, contrário à lei da natureza” como declaram instituições como a igreja católica. O estado é laico e não se pode basear em tais afirmações fundadas em noções religiosas. A homossexualidade não é uma doença e muito menos uma opção, mas uma orientação sexual natural a determinados indivíduos, como o é a heterosexualidade. Há registos de comportamentos homossexuais desde sempre e um pouco por todo o globo, por isso nem se pode considerar a homossexualidade como um fenómeno recente. Mas com o desenvolvimento de uma maior liberdade e tolerância no seio da sociedade, começaram a surgir novas revindicações por parte deste grupo social que já em 1949 foi delimitado entre 10 a 14% da população. Fora as revindicações por direitos especiais, e não tendo em conta a quantidade de homossexuais existentes na nossa sociedade, como se pode negar os direitos e as igualdades a parte da nossa população, a seres humanos, num atentado tão grave às bases do sistema de que tanto nos orgulhamos?
No caso da adopção, temos principalmente que ter em conta o interesse superior das crianças. Actualmente em Portugal existem cerca de 11 mil e 300 crianças em instituições e famílias idóneas. Estas crianças, desprovidas de um meio familiar que lhes providencie um desenvolvimento pleno e harmonioso da sua personalidade crescem em instituições que, por mais tentativas e esforços, nunca se equipararam a um lar. Por isso é urgente que cresçam felizes e saudáveis, sobre cuidados e afectos, integrados num ambiente familiar de amor e compreensão que lhes garanta segurança, saúde, formação moral e educação. A família deve educar a criança no espírito dos ideais proclamados na carta das nações unidas, “Num espírito de paz, dignidade, tolerância e igualdade”. Onde é que, nestas definições retiradas do Regime Jurídico da Adopção, da Convenção dos Direitos da Criança e da Carta dos direitos humanos encontramos obstáculos para a negação do direito de adopção por parte de casais homossexuais?
Os casais homossexuais podem providenciar à criança um ambiente familiar estável, e todas as necessidades anteriormente mencionadas. Os homossexuais não se opõem aos valores familiares; a ideia de que a única forma de família é a existência de um pai, uma mãe e filhos a habitar sobre o mesmo tecto é um conceito ultrapassado na nossa sociedade já que coloca todas as outras configurações familiares (famílias nucleares, alargadas, uniparentais, biparentais, monoparentais, reconstruídas, casais sem filhos) num segundo plano. Valores familiares são aqueles cuja transmissão consideramos ser indispensável através da unidade familiar - valores tradicionais como o amor, a compaixão, a responsabilidade, a honestidade, integridade, respeito, etc. Estes valores não entram em conflito com a família homossexual. Os papéis dentro da instituição familiar estão em constante mutação e certamente não iram travar a sua evolução agora.
Além disso, estudos realizados na década de 80 mostram que os homossexuais demonstram o mesmo desejo de serem pais que casais heterossexuais, e que os comportamentos das mães/pais para com os filhos são iguais tanto em famílias com pais homossexuais como em famílias com pais heterosexuais. Casais de lésbicas demonstraram uma igual ou superior capacidade de dividir as tarefas igualmente, cooperando em todas as decisões da casa e mantendo um equilíbrio emocional favorável. Estudos realizados na década de 90 e a partir do ano 2000 mostram como pais homossexuais são comparáveis a pais heterossexuais no acompanhamento dos filhos e no desejo de compromisso, e as crianças criadas por homossexuais são igualmente inteligentes, têm relacionamentos, comportamentos e relações semelhantes às das crianças criadas por casais heterossexuais. Os resultados de estudos com crianças adoptadas por casais homossexuais são positivos: a família homossexual é funcional e a orientação sexual dos pais não dá a prever a orientação sexual dos filhos, apesar deste ser um dos argumentos utilizados para demover a adopção de crianças por casais homossexuais. Na verdade, estudos recentes comprovam que a orientação sexual é determinada geneticamente, e o que dizer de filhos de casais heterossexuais que demonstram comportamentos homossexuais? A homossexualidade não é contagiosa, ou seja, não é uma doença física nem uma anomalia social transmissível pelo contacto com determinadas situações.
Havia também o medo constante que as crianças que crescem em lares com dois pais ou duas mães tivessem problemas de desenvolvimento devido à falta de modelo de um dos sexos. As evidências trazidas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta. Não foram constatados quaisquer efeitos perturbadores no normal desenvolvimento ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio de crianças com pais do mesmo sexo. Também não há registro de dano potencial ou risco ao sadio estabelecimento dos vínculos afectivos.
É óbvio que os casais homossexuais, como os heterossexuais, têm problemas. Mas isto não quer dizer que não possam fornecer um lar adequado ao desenvolvimento da criança. E, caso o processo de adopção fosse legalizado para casais homossexuais, estes teriam de passar pelo mesmo processo de selecção e burocracias que os restantes candidatos, que têm em vista determinar as suas apetências para adoptar.
Quanto à possível discriminação por parte das outras crianças e da sociedade em geral, temos que ter em consideração o ponto de vista da vítima, e não dos agressores. Noutros casos de discriminação, a punição vai para o agente que discrimina, seja a vítima uma criança negra, obesa, loira, que use óculos, aparelho. Não impedimos a adopção de crianças estrangeiras a casais brancos mesmo que estes sejam discriminados, porque é um direito das pessoas adoptar e dar oportunidades às crianças e não é um direito discriminá-las e marginalizá-las. A palavra-chave aqui é educação. É preciso ensinar quem quer que ainda não saiba que os homossexuais não são monstros. Que são pais capazes. Que o preconceito e a discriminação não é o caminho para uma sociedade de iguais, uma sociedade justa e tolerante. E um indivíduo que espere que a sociedade tem seja tolerante com ele, nos seus hábitos, cores, escolhas, orientações e opiniões, quem quer que espere ter direitos não pode recusar direitos a outras pessoas.
Se uma criança não é prejudicada no seu desenvolvimento por ser criada e educada por pais homossexuais, nem em termos de desenvolvimento físico, psicológico, emocional ou sexual, como demonstram os estudos; se a família está em constante evolução e os papéis dentro dela constantemente se alteram desde à milhares de anos, se uma família com pais homossexuais pode garantir amor e carinho a crianças que por uma ou outra razão crescem em instituições sem presença de pai ou mãe mas de tutores, professores e funcionários pagos responsáveis por eles, como negar-lhes o direito a um lar feliz? E se essa felicidade for ameaçada pelo preconceito das outras pessoas, devemos negar-lhes essa oportunidade e premiar os agressores com a inexistência da diferença, com o atraso na suposta igualdade e liberdade humana? Devemos negar direitos a um extracto importante da população devido à sua orientação sexual? A resposta é não. Não podemos permitir que a diferença seja convertida em anormalidade, que o preconceito seja convertido em regra, e que uma característica de cariz sexual seja o suficiente para julgar a capacidade de duas pessoas com desejo e apetências de fornecer um lar a uma criança que não tem nenhum. Não se trata de escolher entre o menor de dois males, crescer numa instituição ou num lar homossexual. Trata-se de abandonar noções ultrapassadas e acompanhar os novos tempos que virão, sem dúvida alguma, alterar o mundo como o conhecemos – como já foi feito tantas vezes anteriormente. Trata-se de pensar no interesse superior da Criança, na Carta dos Direitos Humanos, na Democracia, e em tudo o que temos como garantido nas nossas vidas, mas que outros não têm. Trata-se de justiça.

Uma família heterossexual não é necessáriamente uma família boa.
Uma família homossexual não é necessáriamente uma família má.

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