domingo, novembro 19

Jaqueta Vermelha

Ainda estava deitada, jogada meio morta e completamente despida nos lençóis amarrotados, quando vi: a temível jaqueta vermelha.

Já tinha ouvido histórias anedóticas acerca do homem da jaqueta vermelha. Mas COMO É ÓBVIO nunca as tinha levado a sério, ou mais a sério do que se leva as correntes de mensagens e e-mails e...

Mas voltando ao ponto principal. A jaqueta vermelha. Ali estava ela, pendurada na cadeira da minha secretária, bem à frente do meu nariz. Como é que não tinha reparado nela, na noite anterior, num homem tão discreto é que eu não sei dizer. Sim, porque nos quatro encontros que tinhamos tido no último mês, nunca o meu acompanhante tinha ultrapassado o impermeável negro, a camisola azul-marinho e a camisa engravatada. E agora, porquê agora, na nossa terceira maravilhosa noite, aquela jaqueta vermelha, exibindo todo o seu orgulho masculino...

De repente, senti-me nua. E fria. E sozinha, apesar do seu corpo volumoso de costas a meu lado. Consegui delinear o seu braço enquanto os primeiros raios de luz espreitavam pela cortina. Tapei-me e enfrentei de novo a jaqueta vermelha. Ainda dormitei, e sonhei que a tinha atirado pela janela do meu 8º andar, que deitava pequenas fagulhas como uma beata acesa e no fim, ao rebentar na superfície, se desfazia em pedaços carbonizados.

Quando acordei, não havia jaqueta. Não havia homem. Perguntei-me se tinha sido tudo ilusão, quando ainda o vi a sair pela porta do corredor, em silêncio. Um vulto de jaqueta vermelha. O seu cheiro ainda pairava no ar, aquele cheiro doce mas ácido a homem, aquele aroma estonteante de suor e aftershave que trepa do nariz ao cérebro e nos arrepia a espinha. Desaparecia, pouco a pouco, desmaiado no meu corpo e nos lençois brancos. Desvanecia como ele, como a sua voz rouca e a única marca era então os grãos cinzentos no cinzeiro da mesa de cabeçeira. O vinho da noite passada era leve e frutado, mas subiu-me à cabeça. Lembrei-me das suas palavras certas, das gargalhadas másculas, da paciência amorosa. Das festas na cara, das palavras de conforto, das mãos na cintura e daquele beijo ensurdecedor. E do seu peito, do seu pescoço, dos cabelos húmidos arrastados contra a minha pele arrepiada e das suas mãos e...

As mesmas mãos que fecharam a porta. Era perfeito, e tentei enterrá-o em ódios mas voltava sempre a mim a imagem brutal...

Porque a desilisão veste jaqueta vermelha.

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