domingo, dezembro 3

Exigências

O que é mais odiável no amor é aquela necessidade extrema de compreensão que ele acarreta. Esse desejo obsceno de um entendimento geral, prescrição distendida em mil e tal carácteres. Vem assim, de fininho, acompanhado por um colapso ao previsível. O que eu mais odeio no amor é a forma como, (de tão óbvia,) essa aspiração à previsibilidade se tornou o rugido subtil de todo um bloco de emoções.
E foi por isso que quando os melros começaram a cantar de noite, quisémos saber porquê. E quando o ritmo não nos requebrava a mente demos desculpas vinis. Porque, independentemente do objecto amado, não queremos (só) ficar para sempre a admirá-lo estáticamente. Queremos estender a mão e sentir a sua textura, pressioná-la contra nós e absorver personalizadamente tudo o que podermos. Queremos guardá-lo para nós, humanizá-lo, relembrá-lo, conhecê-lo sobre as diversas interpretações da sua "gandiosa" essência. Estudamos as causas e efeitos das pequenas mudanças de humor, das diferentes faces vermelhas dançando ao vento. Os movimentos da cabeça, o revirar dos olhos, as hesitações brutais. Os delírios da mente fixa; o esvoaçar dos pardais e as rugas das plumas verdes do papo - tudo se tornam tópicos num infinito reportório de variações de reacções. Não estou iludida - todas as coisas podem ser vistas matemáticamente. E no entanto, quando sorvemos toda a loucura que há nelas, tornam-se silenciosamente metódicas, e embaraçosamente aborrecidas.
Esvai-se a beleza dos arrepios, a profundeza do olhar e o som do piano. Esgota-se o ar das palavras, sufocam-se as palmas das mãos na destreza da malha. Torna-se tudo menos brusco, mais naturalizado: e tudo se encaixa entre as viscosidades do nosso ser. (O mesmo do qual já estou farta).

Tudo se peneira até haver uma massa uniforme a que gosto de chamar respeito. Respeito pelo amor (o nosso, o dos outros); respeito pela dedicação, pelos anos, pelo som comum e pelos pontos de vista. Pela vida, pela cor usual, pelos sabores torturantes doutros tempos. Como a ira, o respeito vê-se pelo seu contrário. E aí vem o medo da dúvida, das perguntas a mais, da alteração: da derradeira pose anti-fé/anti-amor. O medo desfaz em areia os preciosos por do sol dos amantes e os sorrisos dos jovens idosos. Corrói em água salgada as gotas de esforço. E o remorço que pinta tudo de um tom petróleo...

O que é mais odiável no amor é a sua exigência de conhecimento total. Que o deprime em auto-destruição e sussurra aos amantes despreparados que o fim está próximo.

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