quinta-feira, dezembro 14

Cigarro

O tempo que nos unia media-se por um cigarro. Só mais um (com aquele gesto habitual, o isqueiro preto...), ardia em smi-círculos - era como todos os cigarros! Mas aquele era todo o tempo que tínhamos. E nem sequer nos apercebíamos disso. No quarto uma luz avermelhada pintava as espirais de fumo que se elevavam no ar e se desfaziam ao chocar no tecto. E mais um bafo. Aquele som espumoso do crepitar suprimia o silêncio do quarto. As duas faces dos olhos doíam-me, (A cor, e a alma), mas eu não chorava - só quando o cigarro acabasse. Finalmente olhei de lado para ele, enquanto aspirava o tabaco perfumado, com aquele ar de patética redenção que todos os fumadores têm. Sentia o prazer a electrificar-lhe o corpo e apaziguar-lhe a mente. Depois dos primeiros gestos maquinais e ecléticos, estes últimos bafos eram suaves, gelatinosos, e a boca expelia o fumo como se beijasse as ondas de calor. Até o ar estava viciado naquela apatia, húmido e quente, em contraste com as gotas de chuva avassaladoras que chocavam com o vidro.
Ouvimos dois toques. Arrebitei os olhos, e não me lembrei do que era até sentir as lágrimas abarrotar entre as pestanas. (O taxi). Aguentei o choro debaixo do olho com a manga do pijama.
- O taxi! - disse ele, esmagando a beata contra o parapeito da janela.
- O taxi! - murmurei enquanto o via levantar a mochila volumosa.
O taxi buzinou de novo, impaciente. Tinha de ser depressa, depressa, depressa! Acendeu a luz amarelada (nojenta) para procurar o telemóvel. O taxi! Correu para a porta. Lançou-me um último olhar. Mas ao ver-me ali, ajoelhada, ainda coberta pelos cobertores que tinham escondido as malhas do nosso amor... voltou atrás. (-Vai ficar, vem para mim, vai ficar - pensei) - mas não. Deu-me um beijo leve na testa, como quem diz... o taxi. Aquele beijo tonto feriu-me mais que a sua partida. Era um beijo fútil, de compensasão, de compaixão da minha triste figura...! Correu pelo corredor e fechou a porta. O som ecoou pelo corredor e empurrou-me contra a parede. Agarrei na almofada - abracei-a, acariciando os pelihos brancos da fronha, e depois as carícias criaram garras e arranharam o algodão. Vi o maço de cigarros amentolados na mesa-de-cabeçeira, e atirei-o para longe. Longe como ele.
Ding-dong (Sim, este é mesmo o som da minha campainha). Ding-Ding-Ding-Ding-Dooong. Que pressa! Quem se atreve a ter pressa num dia triste como este? Quando o amor acaba, o mundo devia pausar. Fui pé ante pé até a porta, e nem espreitei para ver quem era. Abri, descabelada, com a pior cara que imaginava poder fazer.
E era ele.
Não compreendi. Por momentos, acho que nem ele compreendeu. Esbugalhou os olhos (Espantado com a cara que a surpresa ainda não arrancara do meu rosto). Deu-me um beijo longo, demorado, daqueles beijos de despedida, pressionando o seu rosto frio, e lábios quentes, contra a minha alma. (O taxi ainda estava a espera. O comboio ainda estava à espera). E já não precisavamos dizer mais nada.

Entrei no quarto. Os pedaços de frases ainda estavam espalhados pelo chão. Estiquei a mão, apanhei o maço, acendi o cigarro. (o som do isqueiro fez eco). Bafo ante bafo, reuni um montinho de palavras, que eram tantas que nem acreditava que era possível serem fruto de uma noite de amor casual. E quase que o amei mais um bocadinho, por mas deixar.

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