sexta-feira, abril 20

Deja vu

Subiu em espiral, da palma dos pés até ao céu do cérebro - tão rápido que uma tontura leve balançou nos meus olhos. Confortável não era a palavra - picava-me a espinha e balançava a cintura. Ontem não é suficiente para descrever - ou não é, de todo, verdade. Era só um deja vu. Já te vi, será que devia ter dito; Já te vi...! Mas doce não era a palavra, antes suave. Abraçou-me as maçãs do rosto e lambeu-me o céu da boca, com sabor a nuvem, enquanto passava, ignorando o meu choque. Já te vi! - devia ter dito - Já te vi! - Mas os deja vus têm essa propriedade estonteante, de nos petrificarem quando o corpo ainda mexe. O que é que posso dizer? Ninguém controla o cérebro, e muito menos o destino. E menos ainda as escolhas de um tempo que não existiu se não isolado numa bolha de milho. Numa bola de sabão prestes a deixar como rasto só pequenas espumas no chão, no canto da boca; aquelas lembranças pintadas a limão que trepam o alcóol e... Não posso evitar pensar, fechar os olhos e evitar pensar mais; enquanto o deja vu sorri do outro lado do real.

Já te vi por algum lado não vi?

Mas quando perguntei, a sensação de desconforto já tinha passado.
Tinha ultrapassado a multidão.
Que interessa? Não foi ontem, não foi hoje;
E de certeza não será amanha.

Porque o deja vu só existe por breves momentos, condensado entre a minha pele e o resto do mundo.

quarta-feira, abril 4

Encheu as bochechas brancas de pó de condão vermelho.
- Se me deres um beijo, dou-te outro de graça.

(Ou estaria corada?)

Se ao menos viesses com garantia...

Mas a única garantia que dás é um ponto final.

O mau sentido

É certo como isto: o sol põe-se todos os dias.
E todos os dias, eu acendo a lâmpada do meu candeeiro, e escrevo.
E às vezes, acreditem, até pinto poemas-prados, com castelos encantados
e coelhos, e relva e borboletas.
Mas isso é antes das palavras se tornarem obsoletas.
E azuladas (como se adoentadas pela luz artificial).
E depois as rimas deixam de ser orquestradas,
mas... ridículas. No mau sentido.

E depois, depois...! As cartas transformam-se em meras palavras;
E o sentido evapora-se nas linhas parvas
que regram o que devia ser só imaginação!
Depois, as palavras tornam-se sílabas,
e letras mal lidas. Gramáticas corrompidas.
Erros! Aqui, e ali por todo o lado...
E no canto avisto o ponto final borrado.

Já não há mais nada a ler.
Nem mais nada a ser escrito.
Porque na minha cabeça, os pensamentos dispersam-se em nuvens baças,
E depois num vazio apertado que dói à superfície da pele.
Qualquer tentativa é frustrada, e atrás da face...
o desenlace da luta entre o nada e o coisa nenhuma.
Na bruma, nada. Desapareço mergulhada em mim, egocêntrica.
Patética. No mau sentido.

E escorro a alegria do outrora...
Do que no outro dia me fazia sorrir.
Mas nem a aurora numa cama fria,
Nem o chá numa cama quente.
Nem a companhia. Nem a solidão.
Nem o sopro apertado de outro coração.
Nem as moedas na algibeira,
Os amigos da cabeçeira,
Os deuses nos livros.

Estou sozinha de novo, cansada, sem ter levantado um dedo.
O meu olho esquerdo já dorme.
Estou sozinha porque quero, e nem sei se quero.
Mas estou cansada de mais para pensar.
A palidez conquista-me o busto,
e mantenho o anonimato.
(Enquanto tenho esta conversa com o meu reflexo,
azulado pela luz falsa,
enrugada sobre a escrivaninha,
envolta em mantas, cheia de frio...)
Lembrei-me como é em vão. No mau sentido.

terça-feira, abril 3

Lullaby

Nobody Likes Me


Nobody likes me
Ev'rybody hates me
Guess I'll go eat worms

Long, thin, slimy ones
Short, fat, juicy ones
Itsy, bitsy, fuzzy, wuzzy worms.

Down goes the first one
Down goes the second one
Oh, how they wiggle and squirm
Long, thin, slimy ones
Short, fat, juicy ones
Itsy, bitsy, fuzzy, wuzzy worms.

Up comes the first one
Up come the second one
Oh, how they wiggle and squirm
Long, thin, slimy ones
Short, fat, juicy ones,
Itsy, bitsy, fuzzy, wuzzy worms.

domingo, abril 1

潮騒 | Shiosai


sábado, março 31

Garras

Não quero cantar amores,

Amores são passos perdidos,

São frios raios solares,

Verdes garras dos sentidos.


São cavalos corredores,

Com asas de ferro e chumbo,

Caídos nas águas fundas.

Não quero cantar amores.


Paraísos proibidos,

Contentamentos injustos,

Feliz adversidade,

Amores são passos perdidos.


São demência dos olhares

Alegre festa de pranto,

São furos obediente,

São frios raios solares.


Da má sorte defendidos

Os homens de bom juízo

Têm nas mãos prodigiosas

Verdes garras dos sentidos.


Não quero cantar amores

Nem falar dos seus motivos.


Agustína Bessa-Luís

quinta-feira, março 29

Algo me diz que é uma metáfora

Acordei. E por detrás da porta de madeira branca ouvia o burburinho irrequieto dos pacientes. “Sala de Espera”. Se é o que diz na porta, é o que é; tão simples como isso. – E o médico continuava, irrepreensivelmente, desenhando os círculos das teclas do telefone com os dedos grandes e secos. Palpou a lata de cerveja, mas o líquido já estava da mesma temperatura que o vidro da janela. Quente como o ar de verão que derretia os jardineiros em suor. E na secretária repousava aquela moldura de madeira, clássica, daquelas que se viam nas secretárias dos médicos “respeitáveis”. Cercada por uma fina linha de pó, figurava no retrato – ele, a mulher, e Sofia – quando ainda tinha os caracóis loiros e as faces redondas coradas. Que saudades tinha daquela altura, quando andava com ela no colo de um lado para o outro. Agora, isso seria uma vergonha. E só estar com ele, seria uma vergonha. O tempo de que ele dispunha, também não lhe permitia viajar todos os dias ao Porto, para onde a mãe se tinha mudado como novo... namoradinho.

Deixara de sentir angústia à tempo demais. Deixara de se sentir feliz à tempo de mais. Respondia com um sorriso (indetectavelmente) falso às piadas das secretárias. E aquelas que o tinham ajudado, logo a seguir ao divórcio, a saciar a necessidade de voltar a sair... essas mal lhe falavam, dizendo um bom dia esgueirado, de cabeça baixa. O sol a pingar pelas persianas fazia com que pequenas gotas de suor molhassem os cabelos cinzentos na testa. E os segundos passavam lentos no relógio. O tempo passava a ferros o temperamento, e mantinha-o em ebulição. AH... e as pessoas na sala de espera. (Podiam ficar ali eternamente)

Até ao dia em que arrombaram a porta da sala e eram demais para que pudesse aguentar.

quarta-feira, março 28

Alto

A noite travou o fumo e vomitou um nevoeiro leve. Não havia estrelas - se não as janelas luminosas dos arranha-céus. E a aranha balançava (fingindo que não se importava) sozinha no telhado. O mundo, inevitavelmente repetido, fotocopiava as meninas na rua, cambaleando as pernas nuas e os ombros despidos. (Se por dois segundos calassem os gemidos do bebé do 2º andar...!). E a pequena aranha continuava a balançar, entorpecida, como se a vida não tivesse valor. Romperam dois riscos dourados dos olhos agudos do bicho. Lágrimas?

terça-feira, março 27

Vil

Descaída nos lençóis vermelhos, a pele desdobrava-se em curvas e deslizavam pelo cetim. As coxas brilhantes de suor vibravam com a expiração cansada, como as nádegas riscadas de extâse contraídas ainda, e os seios pesando contra o colchão, disformes. Era um espaço incerto, aquele, entre eles. Pouco a pouco via a respiração do homem a mastigar lentamente os sonhos, a engolir gulosamente o ar em pecados sonoros. Cheirava a carne quente, numa volúpia escorregadia e pegajosa. Era um cheiro violento, hiperactivo, que rodeava a áurea e lhe espicaçava os pelos atrás do pescoço. Passou a língua pelos lábios gretados e beijou-lhe as costas. Mas ele não acordou. Passou-lhe as mãos pelo corpo, pelas dobras de carne; pelo curso do peito, da cinturas ao sexo. As suas bochechas descaídas coraram, salpicadas de calor e palpitações.
As mãos deslizaram para fora do corpo dele e passearam pelo seu. Com os anos que passaram, a pele caiu à sua volta em pregas dolorosas, as expressões rasgaram-se em velhice, os pelos fragilizados pela erosão do tempo quase desapareceram. Sentia as marcas dos filhos, as marcas das quedas, as irregularidades da pele. A luxúria continuava a piscar na íris. A violência do cérebro dominou-lhe os tendões, e só queria magoá-lo por dormir assim, suavemente, como se o mundo não acabasse. Só queria poder mastigar os pensamentos e engolir no vazio: não restar mais nada da alma, nem dos pensamentos estonteantes que a embriagavam.

Ah, será que queria destruí-lo a ele, ou a ela?

"Faz-me esquecer quem sou."

Mas não.

Stoned

Tenho um pequeno mundo escondido na aba do meu chapéu. Não te posso mentir: é pequeno e distorcido, e o pó varrido vezes a menos embaça a vista do horizonte. Mas é meu, e cuido-o mesmo assim, à distância da minha mão. Tu não cabes. O discurso do meu mundo é grande de mais, e esmaga o teu silêncio regrado.

sexta-feira, março 23

Não vale a pena forçar. As histórias que tenho, hoje, querem morar para sempre (quem sabe?) no nó dos dedos da mão. Não querem sair, por mais que lime as unhas e comprima o cérebro. Dizem-me assim: hoje, deixa entrar pela janela a aragem do sol, e guarda contigo os pequenos revirares do mundo. Não te deixes complicar por umas palavras tão sóbrias.

Porque às vezes, as coisas são melhores quando são só ideias.

terça-feira, março 20

O espaço entre as tuas pestanas cheira a malmequeres. Ou será a margaridas? Ah.. são a mesma coisa.

domingo, fevereiro 18

Clubbed To Death

Lounge

I don't care that flowers grow for you and me...and me
You don't know what love is till you see her standing there
A web of skin and nails and hair
And bones and bones
And thoughts rush in and
Arch your head, you think you are alive
But you are dead, you keep
On driving in your car asleep...

I don't know why flowers grow in wintertime
The sky turns gray, the sun don't shine
And people rush to be
On time for work, they
Wrap themselves in woolen cloaks
And hats and scarves
Like larva in their incubated cars
Like larva in their cars
And drive...until they get away

Regina Spektor

Sementes

Se gritares com muita força,
(com muita, muita força)
As tuas palavras levantarão voo
E a partir daí poisam onde quiserem.
(só espero que seja em terra fértil)

Mas como quem as rega não és tu
talvez cresçam diferentes.

(Se pedalares com força
Com muita, muita força
Pode ser que ainda as apanhes.)

Colei-as no bâton vermelho-sangue
Para que nunca passassem de sementes castanhas.

Geração

Nós não somos como os outros (os outros, aqueles que não existem mas que se infiltraram nas nossas palavras). Nós somos os espinhos, os gritos personificados, somos as roupas rasgadas, as casas do desespero em pé. A ansiedade enraíza-se na massa cinzenta e divide pensamentos. Dá-me só uma mão, só um braço, só um corpo inteiro de entendimento...! E juro que não estrago... dá-me só a tua compreensão! Que eu juro que invento asas e nunca mais volto.

Nós somos os outros (os que estão no lado menos branco da lua - mas não o lado negro, porque isso é comum de mais). Somos aqueles cuja pele estala de frio, porque não há quem nos aqueça se não nós mesmos - e nós somos tão frios também. Já que não gostas de mim, vou fazer com que me odeies. E quando me odiares tanto que contorças a gengiva em espasmos eléctricos, que desejes vingança, que não só olhes no canto do olho como tenhas de cerrar os punhos para te conter no lado do diplomático. Vais morrer de ódio por mim, para que a injustiça da tua personalidade podre brilhe ao sol como o esterco que é.

Nós somos. Ao contrário daqueles que apenas pensam que são. Não temos consequências, só temos causas, gritos e mortes e padres. Dizemos que o amor é a resposta para tudo, e a nossa pergunta é o sexo. Somos o contrário. Somos o inverso - as costuras no cérebro e da língua. O mundo não é grande o suficiente para nós, que nos abaixamos em caixas de plástico. Vivemos de longe: a guerra de longe, o amor de longe, a vitória distante. Observamos e pensamos como nunca dantes vocês conseguiriam, que viveram tão perto que eram cegos. Não nos concentramos numa cor - dispersamos as gotas do suor da existência.

Nós não existimos. Somos o reflexo das vossas ambições desmedidas, o sinónimo disforme dos vossos sonhos, os efeitos das vossas vidas. Não nos critiquem, somos a continuação das vossas almas. Desenharam à nossa volta almofadas de psicologia e racionalidade - agora somos os outros. Os corpos enlatados que não têm de crescer.

segunda-feira, fevereiro 12

Deslize

O menino-de-vidro não é como os outros
Porque lhe desenharam um coração no canto do olho
Para ser diferente.
E então ele chora um bocadinho mais que a gente,
Não por mal, mas porque o coração lhe tapou o caminho entre os olhos
E o entendimento.

O menino-de-vidro não tem buraquinho por onde escoar a água
E até o sal fica dentro dele.
E queima, se queima, a pele do lado de dentro.
E o peso da água salgada
Força a estrutura de metal dobrada,
E ele cai só mais um bocadinho.

Pela sua compostura transparente mas impermeável,
O menino-de-vidro assusta as pessoas que passam na rua.
Ele não é afável, é frio,
Mas por dentro é um rio de amor quente.

O velho da Alameda

O velho disse-me aquilo num tom ameaçador, como, aliás, usam todos os velhos quando querem mostrar que falam a sério.
- Mas eu, quando era novo, tinha minhocas na cabeça!

Eu virei a cabeça, enquando puxava um riso manhoso. Eu já tinha ouvido aquela expressão, disse baixinho, para não ofender.

- Nããão... eu tinha mesmo minhocas na cabeça. Elas eram grandes, pequenas, escorregadias e baças. Algumas tinham pequenos espinhos, e outras eram tão compridas que se passariam dias até encontrar o fim! E lembro-me de uma, lembro-me de uma...! Toda enroladinha, como um porco espinho...

(Humhum, disse tentando aclarar a gargalhada que me fazia cócegas na garganta)

- Mas porque é que eu estava a dizer isto.. ah! E como te disse, eu passava a vida a tentar puxá-las cá para fora. Ora com pequenos pausinhos de videira, ora tentando apanha-las quando espreitavam pela minha orelha (vinham apanhar ar, percebes!) Mas nunca conseguia. Até que um dia tive uma ideia - à noite, trepei a um pinheiro cheio de ninhos e deixei-me ficar lá, quieto. Quando o sol nasceu e os pássaros acordaram, começaram a cantar e a chilrear. Ora como é óbvio, a maior parte das minhocas assustou-se, com o eco na minha cabeça. E sairam todas, as coitadas! Se bem que algumas eram muito nojentas, percebes?

(E a este ponto já contorcia as pernas e os dedos das mãos para conter o riso - Pois...)
- A trabalheira foi quando desci e percebi que tinha ficado lá uma. Não era muito gira, era mesmo daquelas magrinhas e nojentas que antes seguiam as outras para todo o lado. Conseguia senti-la a andar para cima e para baixo, e a esburacar-me os pensamentos todos como uma pá cava na terra. E de cada vez que se punha a revolver, eu pensava as coisas mais parvas, oh menina! Eu pedi muito, muito, muito, para que se fosse embora. E então, um dia acordei, e a pequena minhoca tinha desaparecido, entrou para um botão de rosa qualquer, sabe-se lá!
E em vez de ficar melhor, a minha cabeça doeu mais ainda, durante muito tempo. Doeu de sozinha, sabes... agora que tenho uns aninhos a mais é que sei... Mais um bocadinho de paciência, e as minhocas tinham saído umas lindas borboletas...
(Tive de repensar o diálogo. O meu ar de confusão deu nas vistas e as rugas do velho contrairam-se para trás, escondendo-se na careca e deixando à mostra um sorriso sem dentes. Recostou-se no banco de pedra e soltou uma gargalhada irónica daquela que só os velhos muito velhos é que sabem dar)
- Ai, menina... as coisas que tu pensas... deves ter é muitas minhocas por aí a escavarem. Mas eu digo isto para o teu bem! Deixa-as ficar só mais um bocadinho. Tens de aguentar as loucuras, e os erros, e as parvoíces que te vêm à cabeça. E se as tiveres de fazer, olha, faz! Porque uma ou duas dessas minhocas, são daquelas doutros continentes, lá longe... daquelas grandes, as asas parecem páginas de um livro sujo de tinta azul. Tens de ter paciência contigo, e com as tuas minhocas. Mais dia menos dia vais sentir falta delas.

sábado, fevereiro 10

Hoje imaginei que as tuas palavras eram borboletas.
´
(Só assim consigo prestar atenção ao que dizes)
Para a próxima, vou fingir que são bolachas de chocolate.
E assim vou estar mais que atenta, vou devorá-las!
Pepita a pepita.
Como se me importasse.